Federico García Lorca, Claude Monet, Tom Waits, Paulo Rocha e Paul Theroux. Cada qual a seu modo glorificou os encantos do verde, cor que por hábito encontra o seu apogeu na primavera e, sobretudo este ano, no mês de maio.
Corpo do artigo
Não vale a pena ficar roído (ou verde...) de inveja: afinal, como sintetizou Pedro Calderón de la Barca, esta é "a principal cor do mundo, a partir da qual toda a beleza nasce".
O incontido apelo da natureza é a principal razão da atração que esta tonalidade vem exercendo ao longo dos tempos em criadores tão distintos, que plasmaram esse fascínio em pinturas, músicas e filmes mas também poemas.
Foi precisamente este o género eleito por García Lorca para compor o célebre "Romance sonâmbulo". A forte comunhão com a natureza que atravessa o texto, numa exaltação permanente da sua beleza e poder, só é igualada pelo fundo trágico omnipresente, intimamente relacionado com a ação dos homens. No seu frágil equilíbrio, porém, é a vida que pulsa nestes versos:
"Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
Uma barca sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra na cintura
ela sonha em sua varanda,
verde carne, pelos verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde,
sob a lua dos ciganos
as coisas a estão olhando
e ela não pode olhá-las"
(excerto de "Romance sonâmbulo", de Federico García Lorca)
4GIAawSTisE
Mais do que um ponto alto (ou melhor, um dos muitos pontos altos) de "Blood money", "All the world is green" é uma carta de amor tornada canção, uma prece arrebatada e arrebatadora de um homem que afirma dever à sua amada o verdadeiro sentido da vida. Sorrateira, a voz única de Tom Waits insinua-se por entre os acordes e a melodia para ir direita ao nosso coração.
Por vezes, caímos no erro de achar que as obras que versam, de forma direta ou indireta, sobre o verde têm forçosamente que ser harmoniosas ou delicadas. Erro crasso, já se vê, porquanto as suas tonalidades podem também ser agressivas.
Não há melhor exemplo para ilustrar essa evidência do que "Último comboio para a zona verde", o livro com o qual Paul Theroux fez o seu último safari em África. Partindo da Cidade do Cabo, o lendário viajante norte-americano tinha como objetivo chegar ao Norte do continente, após percorrer o seu interior na totalidade.
Os planos foram virados do avesso assim que chegou a Angola. Ao ser confrontado com a exploração desenfreada dos riquíssimos recursos naturais, a corrupção em larga escala e o nepotismo galopante, Theroux resolveu escavar a fundo uma realidade que considerou chocante mal a viu.
Deste retrato impiedoso poucos saem a contento, sejam os governantes, os representantes das organizações humanitárias e até o povo, que aceita passivamente todas as ignomínias cometidas ao seu país.
Grito de alerta para a devastação de África, "Último comboio para a zona verde" não deixa de ser, em si mesmo, uma pungente declaração sobre a necessidade absoluta de preservação dos recursos naturais.
O verde nunca foi tão verde como nos trabalhos de Claude Monet. O mais influente pintor do impressionismo incutiu às suas obras um forte vínculo com a natureza, explorando uma paleta de tonalidades sem fim, com destaque para a esverdeada, que assumia um amplo conjunto de variações. Na sua conhecida obra "Lago com nenúfares", a imensidão de elementos naturais presentes (da vegetação densa à beleza muito especial destas flores) só encontra equivalente no virtuosismo do grande mestre francês.
krjMJ6Xdlyw
Um dos filmes inaugurais do movimento Novo Cinema Português, "Verdes anos" ainda nos interroga, quase 60 anos volvidos sobre a sua estreia nas salas. Em parte, porque a história que encerra (o jovem humilde que parte para a grande cidade em busca de oportunidades e acaba por apaixonar-se por uma mulher do mesmo estrato social) não dista assim tanto, afinal, de realidades mais próximas no tempo. Mas, sobretudo, porque Paulo Rocha filma com competência, alicerçado nos sons da guitarra de Carlos Paredes, as agruras de quem sabe serem escassas as possibilidades de escapar a um destino feito de miséria e opróbrio.