"Fojo" explora o conceito de policial numa aldeia de Trás-os-Montes isolada pela neve. É a confirmação de Osvaldo Medina como autor completo de BD.
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Trás-os-Montes, algures, num ano da (des)graça indefinido, na primeira metade do século passado. Numa pequena aldeia isolada pela neve os cadáveres começam a multiplicar-se.
É este o ponto de partida de "Fojo", uma coedição entre a Kingpin Books, a Comic Heart e A Seita, que vem confirmar o português Osvaldo Medina como um consistente autor completo, depois do seu díptico "Kong, the King".
Ao contrário deste último, "Fojo", traçado num contrastante preto e branco, maculado aqui e ali por pinceladas de vermelho vivo, inclui diálogos, mas, mais uma vez, é com longas sequências mudas, mas extremamente expressivas, que Medina explora de forma poderosa o conceito de policial em local fechado.
Um local fechado pela situação geográfica, e pela intempérie que leva os lobos a descer à aldeia, e assombrado pelos fantasmas que a participação de alguns na Primeira Grande Guerra provocou e pelas memórias dolorosas do passado, ainda mais antigas.
Protagonizado por gente rude, que balança entre a religião e as crendices, com a "bruxa" local ao nível do novo padre, "Fojo", pontuado aqui e ali por referências culturais e sociais que contribuem para dar consistência à ficção e aproximá-la do real, vai-se desenrolando a um ritmo propositadamente lento, para que o leitor sinta toda a violência que o relato exala.
A violência que salta aos olhos a cada novo assassinato; a que resulta de um quotidiano difícil e exigente; acima de tudo, a violência que está latente, que se expressa em olhares, palavras dúbias, atitudes de crueza extrema, que transformam os pequenos gestos e as rotinas quotidianas em atos de prepotência e pura humilhação.
Num retrato realista e duro de uma sociedade machista e pautada por enormes diferenças sociais, apesar da aparente pobreza igualitária, "Fojo", de modo surpreendente, apresenta-se também como uma narrativa em que as atitudes de algumas mulheres negam a aparente submissão total e o predomínio em que os homens creem.
Do final, inevitavelmente trágico, fica a sensação que alguns homens são mais selvagens do que as feras e que os piores nem são aqueles cujas ações inqualificáveis se veem à luz do dia.