A menos de um mês de completar 103 anos, Manoel de Oliveira tornou-se o mais jovem doutor da Universidade Portucalense. Na cerimónia desta quinta-feira, o cineasta confessou-se sensibilizado com o título, mas não deixou de tecer críticas ao desinvestimento estatal nas artes. Veja o vídeo.
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"Para mim, fazer cinema é fácil. Discursos é que não", gracejou Manoel de Oliveira, logo no início da intervenção, provocando gargalhadas gerais.
A solenidade do acto protocolar, integrado no 25.º aniversário da Universidade Portucalense, no Porto, não resistiu à proverbial informalidade do realizador, que, apesar da boa disposição, não deixou, porém, de questionar amiúde os anunciados cortes na área da cultura. "Ajudar o cinema não é nenhum favor. É uma obrigação", defendeu, ao mesmo tempo que recordou que, "na Grécia Antiga, o Estado pagava às pessoas para assistirem às peças". "Fazia-o porque sabia que as artes contribuem para a formação do indivíduo", vincou.
O argumento da poupança orçamental não convence Oliveira. "O cinema envolve muita gente. Actores, técnicos, etc. Os impostos que eles pagariam se trabalhassem seriam superiores ao que poupam nos cortes. A actividade não pode parar. Se pára, o país morre".
A "situação difícil" que Portugal atravessa voltou a ser aflorada pelo realizador para falar do seu mais recente projecto, "O gebo e a sombra". Adaptação de um conto de Raul Brandão, o filme está ambientado no início do século XX, "mas de forma indirecta também representa a actualidade, já que fala da pobreza, honestidade e falta de valores".
Trabalhar textos de escritores é um acto recorrente em Oliveira, cujo cinema nunca escondeu o fascínio pela palavra, adaptando livros de autores como Camilo Castelo Branco ou Agustina Bessa-Luís. Mas a decisão de filmar "O gebo e a sombra" nasceu de forma casual, explicou: "Foi um espectador que me desafiou a fazer um filme sobre os pobres".
Se, nas intervenções iniciais, a "resistência" do cineasta foi uma das virtudes mais elogiadas pelos oradores, Manoel de Oliveira fez questão de explicar as razões pelas quais continua hoje tão apaixonado pela sétima arte como quando começou, há 80 anos: "É uma invenção extraordinária, a que mais se aproxima da vida. Alguém disse, certa vez, que o cinema é o espelho da vida e não posso deixar de dar razão".
À saída da cerimónia, questionado pelo JN, Oliveira confessou-se sensibilizado com a homenagem, "ainda para mais por ser na minha cidade". "Não sei se é merecida. Acho que não. O meu ofício é o cinema e fico orgulhoso quando é reconhecido"...
Além da imposição das insígnias e da criação de uma cátedra dedicada ao estudo da obra de Manoel de Oliveira, a Universidade Portucalense encomendou uma peça artística dedicada ao cineasta.