"Dez anos depois, é uma decisão justíssima, acertadíssima" - é assim que João Gesta, novo programador e coordenador da Feira do Livro do Porto, reagiu à nomeação de Manuel António Pina para figura central de homenagem da próxima edição do festival literário, em 2023.
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O anúncio, inesperado, foi feito anteontem pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que é também o vereador de Cultura, na sessão de evocação ao escritor e jornalista, na Biblioteca Almeida Garrett: "[Manuel António Pina] era um homem de uma extraordinária sensibilidade, capaz de nos surpreender com o seu entusiasmo, o seu humor fino", enfatizou Rui Moreira.
"Depois de Vasco Graça Moura, Agustina Bessa-Luís e dez anos depois da sua morte, é uma decisão justíssima. Este Executivo tem dado muita atenção à cultura e claro, tinha de estar um vulto como o Pina. Fiquei muito emocionado", completou João Gesta.
Nos bastidores desta homenagem estarão João Gesta, como programador e coordenador, e Rui Lage como comissário. "É uma oportunidade para fazer uma festa dilatada e ninguém melhor do que Rui Lage para fazer uma reflexão sobre a obra dele", comentou ainda Gesta.
Já Rui Lage, comissário da Feira do Livro de 2023, enfatizou "a dimensão metafísica" dos poemas de Manuel António Pina, habitados "pela suspeição e pela dívida, sem serem do desespero".
Programa à altura dele
"Há muitas obras que podem integrar o programa, como as magníficas peças infanto-juvenis, as crónicas, e também a poesia. E também a maravilhosa antologia poética da Assírio e Alvim. Não faltarão motivos para um programa à altura dele", disse João Gesta.
O programador relembrou as sessões das Quintas de Leitura, em que Manuel António Pina participou.
"O Pina tinha amigos em todo o sítio no Porto, consegui constatar quando o convidei para duas sessões das Quintas de Leitura. Foi absolutamente grandioso; a primeira foi um presente quando ele ainda estava connosco fisicamente. A segunda foi ver o [Teatro] Rivoli a abarrotar, na presença da viúva, quando ele tinha falecido há pouco tempo. A poesia encheu aquele Rivoli. O próprio presidente leu um poema, bem como Paulo Cunha e Silva foi uma sessão grandiosa". Gesta relembra que os encontros com Manuel António Pina, com Germano Silva, com Álvaro Magalhães eram incríveis. "Mais do que um poeta, um cronista, Pina era um homem intelectualmente integro e, nos tempos que correm, nas barbaridades deste Mundo, eles vão escasseando. Antes de entrar no JN, sempre com a sua cigarrilha, era um extraordinário contador de histórias, ficava cheio de pena quando ele tinha de ir embora. Andava sempre ligeiramente atrasado para todo o lado", relata.
Essa integridade intelectual é memorável. "Ele colocava-se politicamente, com um humor muito subtil, mas sem nunca achincalhar ninguém", remata João Gesta.
UM POETA FEITO DE MISTÉRIOS
Mais do que o local da sessão de apresentação de um livro sobre a poesia de Manuel António Pina, a Biblioteca Almeida Garrett foi, na tarde deste sábado, o ponto de encontro para que amigos e leitores recordassem o escritor, falecido há 10 anos. "Os muitos Pinas que há em Pina" estiveram em foco na sessão de lançamento da nova edição de "A presença e o mistério", uma introdução à poesia do autor de "Cuidados intensivos" com a chancela da Exclamação. O poeta e o homem apareceram antes de todas as outras, mas não faltaram mais dimensões, algumas das quais menos conhecidas do grande público, apresentadas sob a forma de episódios soltos na conversa entre Rui Lage e Álvaro Magalhães que constituiu o cerne de uma sessão na qual não faltaram ainda leituras de poemas, uma atuação d"Os Gambozinos e uma leitura dramática pela companhia Pé de Vento.
Todas essas facetas convergiam na criação de uma poesia que, na ótica do autor da biografia "Para quê tudo isto?", era "uma autêntica máquina de criar complexidade", sempre amparada pelo mistério. Amigo e confidente do poeta, Magalhães recordou que "Pina validava apenas os poemas que não conseguia entender".