Poesia reunida de Rosa Alice Branco sintetiza um percurso marcado pelo forte humanismo.
Corpo do artigo
A evocação nostálgica que por norma caracteriza as edições de poesia reunida encontra uma honrosa exceção na nova recolha poética de Rosa Alice Branco, a primeira que faz desde “Soletrar o dia” (Quasi, 2002). Não só a ordem cronológica habitual é invertida – iniciando-se nos poemas mais recentes e daí seguindo até aos seus primeiros textos publicados, nos alvores da década de 1980, ainda com o pseudónimo de Ginha Branco –, como a autora de “O gado do Senhor” presenteia os leitores com nove inéditos, reunidos sob o título homónimo de “Mapa dos amores incompletos”.
Tal como o poeta espanhol Gabriel Celaya, Rosa Alice Branco concebe a poesia como “uma arma carregada de futuro", poderoso instrumento de transformação de uma realidade onde o humanismo é, mais do que uma salvação, a única via através da qual o Homem pode reencontrar-se consigo mesmo.
No observatório infindável de possibilidades que é a sua escrita, a poetisa e investigadora é capaz de convocar com desarmante facilidade tanto o íntimo como o erudito, abraçando campos que por norma são erroneamente colocados em compartimentos distintos. Aqui reside mesmo uma das principais singularidades desta poesia, como escreve Valter Hugo Mãe no prefácio desta edição da Assírio & Alvim: “Entre o grande modo de conhecer e o profundo modo de sentir, Rosa Alice Branco situa-se como cristalina, tão capaz de iluminar a ciência como a emoção”.
Movida pelo firme propósito de “agarrar os dias pelos cabelos”, a poetisa embrenha-se numa aventura do sentir em que as cores e os elementos naturais são os seus principais aliados. Um profundo amor à vida exala destes poemas plurais, cuja estrutura é um autêntico corpo vivo que respira, sente e observa, à semelhança dos demais seres viventes.
Encarar cada poema “como se nada estivesse escrito / e nada exista / senão o universo inseparável e inteiro / de que não é possível dizer uma linha” é uma das divisas maiores de uma obra que se recusa a ceder ao conformismo ou à atitude cínica que tanto grassam. Ferozmente individuais, estes poemas não cessam “de auscultar obstinadamente o outro”, segundo Valter Hugo Mãe, cientes de que só assim encontram a completude.