O JN esteve a ver Maria de Medeiros numa peça de teatro em cena em Paris. Últimos projetos têm passado por França e pelo Brasil, mas atriz espera voltar a trabalhar em Portugal brevemente.
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Maria de Medeiros está em cena em Paris, numa adaptação da peça de Jean Cocteau, "Les Parents Terribles". Com encenação de Christophe Perton, a atriz portuguesa está acompanhada por Muriel Mayette-Holtz, Charles Berling, Emile Berling e Lola Créton. A peça está em cena desde 22 de fevereiro, no Teatro Hébertot, mesmo no centro de Paris. Fomos assistir a uma representação e conversámos no fim com Maria de Medeiros.
Estamos na plateia de um teatro, ainda sente aquele pânico antes de entrar em cena?
Eu estou sujeita a um enorme medo de palco. Fico aflitíssima. É incrível porque estamos a acabar a nona semana e não houve uma única vez em que entrasse em cena sem ter medo de não chegar ao fim. Tenho um medo horrível.
Parece ser algo de comum à maioria dos atores que pisam um palco.
No foyer há várias fotografias de grandes nomes do teatro francês e está também a do meu professor no Conservatório, o Michel Bouquet, que já tinha perto de 70 anos quando fui aluna dele. E ele também tinha um medo terrível.
Neste momento, acabou mais uma representação. Como é que se sente no fim?
Quando acaba a gente sente-se muitíssimo bem. Mas hoje é um bocadinho estranho, porque vamos voltar a entrar em cena, e estranhamente vou voltar a ter esse medo. Acho que faz parte do próprio ritual. Não se pisa um palco sem uma responsabilidade. Há uma sacralidade do palco. Eu sinto isso muito. Cada representação é um momento único.
As pessoas parece terem voltado ao teatro, talvez mais do que ao cinema. Sente isso?
Nós temos tido casas cheíssimas. É uma tragicomédia do Cocteau, onde ele está sempre a oscilar entre o vaudeville e a tragédia grega. A sua obra foi sempre muito fascinada pelo teatro grego. Como o aspeto apolíneo dos seus desenhos. E aqui trata-se de uma família em que a mãe tem um amor desmesurado pelo filho, tão desmesurado que a torna uma personagem trágica.
Como é que definiria a sua personagem?
O meu papel, o da irmã, é um bocadinho como o Corifeu do teatro grego, a pessoa que vai dando as chaves de leitura e vai guiando a ação. É muito interessante, estamos entre entre comédia e tragédia, consciente e inconsciente. É um texto muito interessante por isso, às vezes é teatro burguês, depois tem umas saídas poéticas extraordinárias. O Cocteau também era um grande poeta.
"Aos Nossos Filhos", a sua última realização no cinema, feita na Brasil, chega aos cinemas portugueses a 1 de junho.
Estou muito feliz que saia finalmente em Portugal. Saiu primeiro aqui em França, há um ano e meio. Saiu no Brasil em julho passado e ainda sai em Espanha antes, em maio, e finalmente chega a Portugal. Estou muito feliz por isso.
Pode falar um pouco do que se trata?
É um projeto que nasceu de uma peça de teatro da Laura Castro, uma jovem atriz, autora e produtora, para a qual ela me convidou. Tem a ver com a experiência dela, porque tem três filhos com outra mulher. O que significa, dentro de um casal gay, o desejo de ter crianças? É uma luta fenomenal, de alguma forma. Achei a peça muito interessante e fizemos o Brasil inteiro, durante praticamente três anos.
Qual é a narrativa da peça e também do filme?
É um longo diálogo entre mãe e filha, mas a mãe é o oposto de uma mãe conservadora. É uma mãe super progressista, que militou sempre contra a ditadura militar no Brasil, esteve presa, torturada, exilada. E ainda hoje é super engajada, trabalha com crianças seropositivas. É essa mãe, de espírito muito aberto, que a filha visita para dizer que está à espera de um bebé e que o bebé está na barriga da companheira.
De quem foi a ideia de passar do teatro para o cinema?
Eu aprendi muitíssimo, descobri muitas coisas com esta experiência e com este texto e rapidamente propus à Laura fazermos um filme. Para dar vida a todas as personagens de que falávamos mas não se viam. Assim como a peça foi escrita sobre uma experiência pessoal muito viva, no filme também nos esforçámos por contar o Brasil que estávamos a viver na altura, o Brasil mesmo antes da eleição de Bolsonaro. Aquele Brasil que se obscureceu de forma impressionante.
Brasil e França. Para quando novo trabalho em Portugal?
Estou a trabalhar num novo projeto de cinema, mas ainda não posso avançar mais nada.