Maria de Medeiros: "Os homens e as mulheres têm de ser feministas, como ser antifascistas"
Gravou com Tarantino ("Pulp fiction), venceu um dos prémios mais prestigiados do cinema, a Taça Volpi de Veneza 94 para Melhor interpretação feminina por "Três irmãos", de Teresa Villaverde, e realizou, entre outros, "Capitães de Abril". Maria de Medeiros regressa ao cinema nacional como protagonista de "Ordem moral", realizado e fotografado por Mário Barroso.
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O filme, que se estreia hoje, baseia-se na história verídica, ocorrida em 1918, de Maria Adelaide Coelho da Cunha, herdeira do fundador e proprietária do "Diário de Notícias", que recusa discutir com o marido a venda do jornal, de que ele era à época diretor, ao mesmo tempo que lhe suporta as traições amorosas. Fugindo com um antigo motorista da família, 26 anos mais novo, é declarada louca pelo marido e internada, para que este possa enfim seguir em frente com os seus propósitos.
A sociedade evoluiu muito nestes últimos cem anos, mas há ainda uma "ordem moral" eminentemente masculina.
Sem dúvida. Eu sou mão de duas filhas e fico contente por verificar nelas essa consciência. Sempre fui absolutamente feminista. Parece-me uma evidência. Os homens e as mulheres têm de ser feministas, como ser antifascistas. Faz parte das coisas que se deve ser. As novas gerações têm consciência da enorme luta que ainda há pela frente. Há olhos que se abrem mas também há forcas de retrocesso muito fortes, que também estão em marcha.
Como é que Mário Barroso a abordou para este papel?
Nós também somos amigos e falamos regularmente. E um dia telefonou-me a dizer que estava muito empenhado em que fosse eu a fazer este papel. Evidentemente fiquei muito honrada. A vida desta mulher é absolutamente extraordinária. Houve livros sobre ela, já houve outro filme, mas mesmo assim a vida dela, as posições dela, a coragem e toda a luta que representou a sua vida continuam desconhecidas.
Mário Barroso, além de realizador, é também diretor de fotografia do filme.
Foi impressionante ver o Mário, que é uma pessoa frágil e delicada, estar em todas, como se costuma dizer. Ele também escolheu um excelente operador de câmara, mas fez esta luz magnífica e só podia ser ele mesmo.
Para uma atriz, é mais fácil ou mais difícil representar uma personagem que realmente existiu?
É verdade que há um respeito acrescentado. Neste caso, é uma personagem que existiu, mas sobre quem há poucos elementos, e o que existe é já ficcionado. Ela foi sempre matéria para ficção. Dava para construir, havia uma margem de criação muito grande.
O que sentiu ao voltar a Portugal para filmar?
Fico sempre muito feliz. Gosto muito de vir cá trabalhar. É não só reencontrar a minha família pessoal como a família do cinema. Isso é muito agradável. E neste caso o Mário Barroso tem um itinerário parecido. Vivemos em Paris, temos atividade lá e atividade cá, temos tiques iguais, como às vezes saltar de uma língua para a outra.
Como é que, de fora, vê o cinema português?
Tenho muito orgulho no cinema português. Aliás, tenho muito orgulho em Portugal em muitas coisas. E neste momento, especialmente, quando vejo o que está a acontecer lá fora, saímo-nos bastante bem. Mas realmente tiro o meu chapéu ao cinema português porque, dentro de todas as dificuldades, é variado, é livre e continua a ser audacioso. Acho que é o que o cinema deve ser.
O que guarda no coração dos filmes nacionais que fez?
Portugal ofereceu-me regularmente, embora por vezes de forma espaçada, alguns dos papéis mais bonitos da minha vida, como este, sem dúvida. Há muito que não filmava em Portugal, mas fiz há pouco o "Mar", da Margarida Gil, que adorei fazer. Para mim são muito importantes estes reencontros periódicos.