Autor do Porto escreve sobre a fugacidade dos destinos individuais no seu novo romance "Teoria das nuvens".
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Pelo ímpeto criativo de que vai dando continuamente mostras aos 82 anos – encontra-se a trabalhar presentemente na edição dos seus diários –, Mário Cláudio revela uma crença e uma vontade raras de que a passagem dos anos corresponde mais a um aprimoramento das qualidades do que a um declinar das mesmas.
Se esse porfiar constante o aproxima de figuras como o mestre espanhol Diego Velásquez, que criou já na etapa madura da sua existência as suas obras de maior fôlego, o novo romance do autor de “Amadeo” é uma homenagem a outro grande nome da cultura espanhola: San Juan de la Cruz, o poeta místico cuja sombra vai atravessando uma narrativa em que as 20 personagens se assemelham em vários sentidos às nuvens que dão título parcial ao livro. Acima de tudo, porque, embora não haja duas anatomicamente iguais, tendem a assemelhar-se.
Esse caráter anódino das personagens do livro – que vagueiam pelas respetivas vidas com a indolência das nuvens – não se deveu propriamente a um desleixo narrativo do autor, mas à convicção de que o desacerto que marca o nosso tempo, com a superficialidade crescente nas relações humanas e a dificuldade na manutenção de simples diálogos profícuos, nos está a transformar de forma inelutável em seres tristemente indistintos.
O caráter fugaz dos destinos individuais está inscrito no romance em figuras como Bárbara, professora que se dedica nos tempos livres à missão de fotografar nuvens, ou Damião Sepúlveda de Vasconcellos, arquiteto cuja verdadeira paixão é o colecionismo. À sua peculiar maneira, cada uma delas luta contra o efémero e combate o esquecimento, mesmo sabendo de antemão a inutilidade da tarefa.
Os sucessivos (des)encontros que pautam as existências destas e de outras figuras do livro conduzem a uma sensação de vazio que reforça a necessidade da componente mística (não necessariamente religiosa) nas nossas vidas.
Se a explanação dessas premissas já seria razão para uma leitura atenta de “Teoria das nuvens”, é na reconhecida mestria estilística do ficcionista que encontramos os motivos de maior deleite : “Todas as cidades envelhecem à medida dos seus velhos, e todas endoidecem à dimensão dos seus doidos”, é uma das inúmeras pérolas que vamos encontrando ao longo das páginas.
