Massacres do Mundo subiram ao palco do Rockin'1000 para fazer da música arma de paz
Público proveniente de 46 países vibrou com espetáculo protagonizado por músicos de 29 países, em Leiria.
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O "massacre de inocentes" em Gaza, na Ucrânia, no Sudão, e em Myanmar, na Birmânia, foi evocado por Fabio Zaffagnini, fundador do Rockin"1000, num curto intervalo da atuação dos 340 guitarristas, 205 baixistas, 220 bateristas, 200 vozes e 35 teclistas, que interpretaram em simultâneo 21 músicas, este sábado à noite, no relvado do Estádio Municipal de Leiria.
"O Rockin"1000 é uma sensação física de algo que é mágico. Porque é que não pode ser assim em tudo o Mundo?", questionou o italiano, cuja banda de eleição, os norte-americanos Foo Fighters, foi escolhida para iniciar o espetáculo com a interpretação do tema "Learn to fly".
Foto: Nuno Brites
A organização da segunda edição do Rockin"1000 em Portugal envolveu 400 pessoas, e contou com a interpretação de Marisa Liz de "Guerra Nuclear", da autoria de António Variações, e de Tim, dos Xutos & Pontapés, que deixou o público a vibrar com "À minha maneira". De asas brancas volumosas, a vocalista dos Amor Electro também se manifestou "pela paz, pelo amor e pela liberdade, sempre!". "É avassalador o que o poder do amor consegue, e a demonstração do poder da música, que junta aqui pessoas diferentes a fazer coisas boas", comentou, após atuar perante milhares de pessoas, provenientes de 46 países.
À margem do espetáculo, Marisa Liz destacou ao JN o facto de o Rockin"1000 permitir juntar "mil músicos em palco, de gerações diferentes, e de várias partes do Mundo, em que a única coisa que as une é o amor à música, criando ligações". A artista defendeu que o rock permite juntar e unir as pessoas. "São gritos de liberdade e de amor. Foi isso que se viveu aqui. Aquilo que senti é inexplicável por palavras", confessa. O apelo à paz, ao amor e à liberdade foi explicado por gostar de lutar por aquilo em que acredita. "A parte humanitária, que tenho desde criança, está sempre ligada à arte que faço. Arte e música são emoções."
Foto: Nuno Brites
Emoções à flor da pele
"Estou um bocadinho emocionado por estar aqui a tocar com tanta gente", confessou ao público o vocalista dos Xutos e Pontapés. "Aquilo a que dediquei a minha vida valeu a pena", observou, depois de ter partilhado o palco com mil músicos de 29 países, entre os quais Estados Unidos, Brasil, Canadá, Austrália, Japão, China, África do Sul, Argentina, México, Turquia e Índia. Tim explicou ao JN que se emocionou por sentir uma "grande força" no ar. "A união já faz a força, sobretudo quando é com música e com todos a partilhar a mesma experiência", justifica.
"As pessoas estão aqui não porque tocam muito bem ou são famosas, mas pelo convívio entre roqueiros, e com público a assistir", comenta o vocalista dos Xutos. "O gosto das pessoas por fazer música rock vai continuar sempre, desde que haja uma garagem, porque a parte gira é tocar com mais pessoas", defende. "A parte visível são os concertos, a fama e as canções que as pessoas conhecem, a parte invisível, e muito mais forte, é tocarem juntas aos fins de semana, ensaiarem, fazerem os seus bailes e os seus espetáculos", garante. A promotora MOT - Memorries of Tomorrow adianta que 60% dos participantes este ano, também aturam em Leiria no ano passado.
Foto: Nuno Brites
Pura conexão
Foi o caso de Florence Seratinsky, 60 anos, guitarrista que viajou de propósito de França para participar no Rockin"1000, pela quinta vez. "É um momento mágico, muito emocionante e inesquecível", explica. Além da experiência em si, a guitarrista, de cabelo tricolor, garante ter ficado com o contacto de todos os franceses participantes no evento. "O Rockin"1000 é pura conexão. Vamo-nos encontrando pelo mundo", confirma a brasileira Natália Peixoto, 40 anos, que voltou a atuar em Leiria, após ter participado no mesmo evento como baixista em Itália, no mês anterior. "As emoções são muito intensas. São três dias de paixão, energia, nervosismo e muita bagunça", conta, referindo-se também aos ensaios. "A música sempre definiu as minhas decisões, onde vou, os amigos que faço e os meus sonhos", assegura Natália Peixoto.
Guilherme, oito anos, de Vila Franca de Xira, destacou-se entre os bateristas, não só pela idade como pela energia inesgotável, ao fim de cerca de uma hora e meia de concerto, onde gostou mais de interpretar "Medley", de Led Zeppelin e Jimi Hendrix. Bernardo Rodrigues conta que o filho começou a tocar aos dois anos numa bateria de plástico, na qual tentava reproduzir as músicas que ouviam no carro, através do tablet, pois já sabia ler e escrever. Fã de Mike Portnoy, baterista dos Dream Theater, tem aulas particulares, e vai participar na eliminatória de Madrid do European Music Contest, em outubro.
E se Guilherme esteve, pela segunda vez, a atuar em Leiria, António Costa, 69 anos, estreou-se este ano, após ter sido desafiado por uma amiga. Embora tenha integrado uma banda há "muitos anos", só começou a tocar bateria em 2022, pelo que assim que soube que tinha sido selecionado, a 1 de agosto, começou a ensaiar "praticamente todos os dias" as 21 músicas. "O Rockin"1000 tem uma energia enorme pelo número de pessoas a tocar, e pelo empenho em fazer bem, para ter a melhor performance possível", afirma o autodidata de Setúbal, que se apresentou com uma t-shirt com a icónica língua dos Rolling Stones, também homenageados no evento com a música "Jumpin" Jack Flash".
Foto: Nuno Brites
Oportunidade única
Os brasileiros Marco Bombardi, 51 anos, e Luca, 17 anos, também fizeram parte do espetáculo a tocar guitarra, com o resto da família, a mulher e a filha na plateia . Residentes em Lisboa, pai e filho estão conectados pela música. Ludimila conta que o filho Luca aprendeu a tocar e a cantar com o pai, aos dois ou três anos de idade. Desde então, tem participado em bandas pequenas, ocasionalmente. "Foi muito bom atuar no Rockin"1000, e também conheci pessoas novas e fiz amizades", refere o jovem. "Luca é um guitarrista de verdade, eu só acompanho", diz o pai orgulhoso. "Se não fosse o Rockin"1000, havia pessoas que nunca teriam a oportunidade de subir a um palco", defende. Marco elogia ainda a organização por ter "tudo bem pensado, tudo bem feito, para ser incrível".
Satisfeito com o sucesso de mais uma edição, Tiago Castelo Branco, diretor executivo da MOT, explica que o estádio de Leiria voltou a ser escolhido por ser "perfeito para a produção de espetáculos, fora dos grandes centros". Este ano, abriram apenas as bancadas nascente e poente, de onde se vê melhor o espetáculo, para concentrar o público. O responsável esclarece ainda que os poucos lugares por preencher foram vendidos, mas as pessoas não assistiram ao concerto. "É comum haver uma taxa de 10% que não vem", assegura. Este ano, a grande novidade foi permitir aos espectadores comprarem os bilhetes com lugar marcado, para ficaram mais próximos da zona onde os familiares e amigos iam atuar.