O primeiro dia da 20.ª edição do Super Bock Super Rock foi marcado pelo regresso dos Massive Attack, que deram o 15.º concerto em Portugal. Esta sexta-feira, sobem aos palcos da Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco, Cat Power, Woodkid ou o muito aguardado Eddie Vedder.
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O 15.º concerto dos Massive Attack em Portugal começou com material novo, desconhecido do povo (e presume-se que ainda não editado), enquanto no ecrã ao fundo do palco eram projetadas várias marcas a alta velocidade. A semente política estava lançada e voltaria a chamar a atenção do público ao longo de todo o espetáculo.
A banda de Robert Del Naja (3D) e Grant Marshall (Daddy G) trouxe consigo Horace Andy, Deborah Miller e Martina Topley-Bird - belíssima, faixa azul pintada na face - e durante mais de hora e meia distribuiu principalmente temas de "Heligoland" ou a colheita de "Mezzanine" que o povo ansiava, como "Teardrop" ou "Angel". Pelo meio projetavam mensagens nos ecrãs em denúncias de injustiças ou guerras e embrulhavam-se em manobras que se num momento pareciam entorpecentes, logo a seguir explodiam. "Safe from Harm" disparou os alarmes políticos num quebra-cabeças com palavras-chave como "privacidade", "liberdade", "partilha" ou com frases como "Todos sabemos quem são os maus", "Todos têm direito à liberdade", "Todos são iguais perante a lei".
Seguiu-se um bombardeamento de títulos noticiosos nos ecrãs - a maior parte redigidos em português - a enquadrar "Inertia Creeps". Luzes em máxima voltagem a encandear os sentidos e a aleatoriedade noticiosa refletida em títulos tão distantes como "Escutas tramam inspetor corrupto" ou "Adidas escolhe Sara Sampaio".
Foi um bom concerto mas pairou um pouco a sensação de que uma parte considerável do som da banda é pré-gravado e nem tudo é fruto do momento. As filas da frente não esconderam o entusiasmo, mas nos lugares mais recuados muitos quedaram-se sentados a contemplar o elaborado espetáculo visual que releva a sonoridade trip-hop da banda.
Antes, o palco principal recebeu os Tame Impala, que regressaram ao Meco três anos depois (o ano passado também estiveram no Alive) para voltarem a derramar aquele rock vagamente psicadélico potenciado por projeções de contornos assimétricos nos ecrãs gigantes. O público apreciou peças como "Be Above It" ou "Endors Toi", mas ficou a impressão de que a banda não conseguiu erguer o concerto para o patamar de evasão que aquela música insinua em disco. Terá ficado próximo disso em "Half Full Glass of Wine" e "Apocalypse Dreams". Ainda assim, saíram do palco debaixo de um estrondoso aplauso.
Entre os concertos de Tame Impala e Massive Attack, uma pequena reunião no palco EDP para ouvir o jovem cantor e compositor Jake Bugg, mais um dos músicos com passagem direta do Alive de 2013 para o SBSR de 2014. O britânico trouxe as canções de "Shangri La" (2013) para apresentar ao público português, maioritariamente feminino, que pareceu acompanhar atentamente a ainda curta carreira do músico. Contudo, neste palco, a revelação da noite viria pela mão do músico Noah Lennox, ou melhor, Panda Bear.
O músico americano, radicado em Portugal, encontra-se numa tournée de antecipação do seu novo disco, "Panda Bear Meets the Grim Reaper" - que deverá ser editado no final de 2014 -, e apresentou as canções que integram o novo registo para um público totalmente deleitado com o que ouvia.
As atmosferas experimentais de Panda Bear são uma autêntica viagem sem destino certo, num cenário minimal onde apenas coube o músico, sintetizadores e um ecrã com uma obra de vídeoarte que transportava as canções para diferentes dimensões. Corpos e imagens abstratas, em fusão, iam hipnotizando os presentes. Os fumos em palco, por vezes, ocultavam o músico, dando lugar a uma autêntica experiência sensorial dividida entre a música e as imagens. Uns contemplavam de boca aberta, outros recordavam em surdina os primeiros concertos vistos na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa.
O palco principal do festival encerrou, já de madrugada, com a pujança eletrónica dos Disclosure que, apesar de alguns problemas técnicos a meio do concerto, cativaram a ampla plateia que os aguardava. Depois de terem debutado nos palcos portugueses o ano passado, no Alive, os irmãos Guy e Howard Lawrence regressaram com um espetáculo visual aprimorado, repleto de luzes e ecrãs que servem na perfeição a música contagiante que produzem. "F for You" ou "White Noise", do seu disco de estreia, "Settle" (2013), foram algumas das canções que não faltaram nesta passagem pelo Meco.
Os primeiros disparos de música ocorreram ao final da tarde no palco EDP, estrutura despida de revestimento, só um esqueleto de metal, o que se afigurou positivo porque permitia a observância dos pinheiros mansos atrás dos músicos. Foi lá que atuaram os Million Dollar Lips, uma banda da região - são de Sesimbra - que labora um eletro rock bem intencionado mas a precisar de alguma maturação. O cantor parecia estar demasiado colado ao registo de Peter Murphy na sua fase a solo. Tiveram alguns problemas técnicos, os azarados, e ainda tentaram animar o público com uma versão de "Mystyfy", dos INXS.
O palco principal abriu para o blues rock dos californianos Vintage Trouble e o nível subiu consideravelmente. Ainda assim, só com a eletrónica dos Metronomy é que o público deu as primeiras mostras de entusiasmo. A formação britânica despejou a sua pop impregnada de sintetizadores e batidas digitais enquanto o sol desaparecia e privilegiou as faixas do recente "Love Letters", o disco lançado em março.
Endereçaram mimos vários ao público e multiplicaram os elogios aos lusitanos, lembrando que Portugal foi o primeiro país a acarinhar a banda fora de Inglaterra. "Heartbreaker" e "Radio Ladio" foram particularmente aplaudidas, mas foi num final com "You could easily have me" que os Metronomy desencadearam maior arrebatamento.
Ainda os Metronomy não tinham abandonado o palco e na ponta oposta do recinto ouviam-se já os australianos Cat Empire, que reuniam em seu redor centenas de fãs entusiasmadíssimos com a amálgama de ska, reggae e funk com pinceladas de jazz do grupo. Os instrumentos - trombone, trompeta, teclados, bateria, baixo e percussão - dominavam a onda sonora que emanava do palco. Na plateia, gente a acompanhar as canções com palmas, aos pulos, em total fruição daquele pequeno segredo que desabrochava ao anoitecer.
No palco Antena 3, o português Frankie Chavez, acompanhado por um baterista, apresentava as canções do seu mais recente trabalho, "Heart&Spine", editado em maio deste ano. A tenda estava composta e entusiasmada com o blues rock do músico, que não se coibiu em perguntar quem é que já tinha comprado o seu último disco. Meia dúzia de dedinhos ergueram-se no ar e o músico deixou a sugestão aos restantes: "aproveitem e comprem".
O festival começou com boa onda. Os seis hectares da área de campismo já estavam quase todos preenchidos por milhares de tendas e ao final da tarde ainda continuavam a chegar festivaleiros. Muitos vinham em bandos e alguns até compareciam de malinha chique, com rodinhas, como se fossem para Heathrow, a fazer cross pela terra. Do outro lado da vedação, guardas da GNR patrulhavam a zona devidamente montados em cavalos brancos.
Durante a tarde, pairava a placidez por ali - a maioria rumara à praia que de manhã até desfraldava bandeira verde para alegria do povo. Os que ficavam moviam-se em câmara lenta, derretidos pelo calor, num "schlep schlep" de chinelos, a transpirar nas suas barbinhas raulmeirelianas. Outros permaneciam prostrados à entrada da tenda. E até houve quem trouxesse piscinas insufláveis, como um grupo de Carregal do Sal, da zona de Viseu.
A piscina, com metro e meio de diâmetro, ainda tinha pouca água, mas a suficiente para refrigerar umas dúzias de latas de Super Bock. Mergulhos só mais tarde. "Supostamente ainda vamos enchê-la hoje com garrafões de água", confessou-nos Fábio Alves, 21 anos, a voz arrastada pela indolência de quem tem outras prioridades como contemplar os ramos dos pinheiros mansos. A seu lado, um amigo besuntava fatias de pão de forma com uma argamassa de cor suspeita - "é patê de atum, parece veneno", admitiu - aformoseado com estilhaços de palha de batata frita. "Eh pá, não escrevas isso, não nos envergonhes", solicitava outro comparsa impressionado com a estroinice gourmet.
Uma das novidades deste ano reside no espaço Babysitting Santa Casa, que permite que lá se guardem crianças dos seis aos 12 anos enquanto os respetivos pais assistem aos concertos. Fica numa das zonas mais calmas do recinto, protegida de grandes avalanches decibélicas. Tem capacidade para 20 crianças e há cerca de 12 elementos, entre técnicas, educadoras e voluntárias de sorriso na face, que se ocupam da pequenada. É tudo vedado e lá dentro não faltam condições para a criançada se entreter: brinquedos a granel, material de desenho, quadros, tapetes de atividades, matrecos, bolas, raquetes ou cozinhas de brincar. Uma das zonas é em jardim, ao ar livre. Outra é fechada e tem uma zona de descanso, com almofadas para sonos tranquilos.