“Sussurro”, a aguardada primeira exposição em Portugal do artista italiano Maurizio Cattelan, já está patente ao público no Porto.
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“Nada é inocente nesta exposição. Nem mesmo o visitante”. A frase contundente de Philippe Vergne, diretor do Museu de Serralves, é, mais do que uma advertência, um guia útil para quem visitar a exposição que assinala a estreia portuguesa de Maurizio Cattelan.
Em “Sussurro” (título que em si já é um paradoxo face ao caráter provocatório do artista nascido em Pádua há 64 anos), o visitante é tentado “a colocar um sorriso na cara”, como acrescenta Vergne, ao ver peças aparentemente tocadas pela graciosidade ou pelo insólito, como uma avestruz embalsamada com a cabeça enterrada no chão, um cavalo içado a cinco metros de altura ou uma réplica em miniatura da Capela Sistina.
Um olhar mais atento confronta-nos com o sombrio, ao vermos que o menino ajoelhado numa capela tem o rosto de Hitler ou que o jovem imóvel está pregado à mesa da sala de aula, crítica impiedosa à tortura de que se podem revestir os métodos de ensino mais conservadores.
“Primeiro, Cattelan seduz-nos; depois começamos a ver o que está por trás”, enfatiza o também curador da exposição. O que se esconde pode muito bem ser, afinal, a curta distância entre o céu e o inferno, qual visão contemporânea da obra de Hieronymus Bosch e do seu eterno Jardim das Delícias.
Patente ao público até 11 de janeiro na Casa e no Jardim de Serralves, “Sussurro” confronta-nos com obras que causaram acesa celeuma. Basta ver “Nona hora”, instalação na qual vemos um agónico João Paulo II agarrado a um crucifixo após ser atingido por um meteoro. A blasfémia de que o artista foi acusado pelas hostes religiosas é, para Vergne, fruto de uma visão errada. “O que vemos é o oposto, a imagem da dignidade. Alguém que carrega o peso do mundo sobre os seus ombros”, proclama o curador.
O prazer tem um preço
Das 26 obras incluídas nesta viagem pela obra de Cattelan – entre 1996 e o ano passado –, é quase certo que as atenções da maioria dos visitantes vão estar centradas em “Comedian”, a célebre banana afixada a uma parede que atingiu o valor de seis milhões de euros. Desde a sua primeira aparição pública, em 2019, a peça converteu-se na mais icónica obra de arte do século XXI, “a Mona Lisa da nossa era”, diz o diretor francês, que vê neste “même” um símbolo da cultura digital. “Contribuiu para esbater as barreiras entre a arte e a comunicação, ultrapassando até o mundo da arte”, reforça, convicto de que, tal como o cachimbo de Magritte, esta banana não é uma banana. “O mais importante na peça nem sequer é a banana. É a fita-cola, porque é ela que a sustém na parede”.
Quem se aventurar fora de “Comedian” e se predispuser a conhecer as restantes obras, irá deparar-se com a omnipresença da morte. Dos animais embalsamados às figuras enforcadas ou crucificadas, algumas das quais representando o artista, não falta sequer um Pinóquio a boiar sem vida no lago de Serralves, após ter ousado fugir do seu criador, Gepeto. Mais do que uma fixação mórbida, é Cattelan a dizer-nos que “se quisermos o prazer temos que pagar por ele”, assume Philippe Vergne.