A coreógrafa americana é um dos regressos mais desejados do Festival Dias da Dança.
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Há 31 anos, a coreógrafa norte-americana Meg Stuart criou "Disfigure study", a sua primeira obra longa que viria a funcionar como uma ponte para que optasse por trabalhar na Europa. Com a sua companhia Damaged Goods, divide-se entre Berlim e Bruxelas. Nos vários reconhecimentos que teve, o maior chegou em 2018, com o Leão de Ouro de Carreira, da Bienal de Veneza. Há seis anos que não apresenta um trabalho no Porto, e o último de grande escala foi "Violet", em 2011. A obra "Cascade", que chega quinta e sexta-feira, ao Teatro Rivoli, no Porto, com cenografia de Philippe Quesne, é um dos regressos mais ansiados para esta edição do Festival Dias da Dança (DDD).
Como imaginou "Cascade"?
Eu queria refletir sobre o tempo: tempos diferentes, radicais, realidades multidimensionais e portais do tempo. Daí comecei a imaginar ritmos, junções, sincronizações e dessincronizações e como as pessoas podem ser levadas ao abismo com as suas capacidades: saltar, cair, voar, atirar-se pelo ar. Tudo começa com esta sensação física de rendição e libertação. Philippe Quesne entrou e aí começámos com a música a descer à terra, em rutura com algumas ideias.
Como surge esta parceria com Philippe Quesne?
Conheci o Philippe Quesne quando estávamos a trabalhar para o circo contemporâneo "The greatest show on earth", em 2016. Durante esse trabalho, enquanto construíamos luzes, palcos, encenações, o processo era muito sonhador e positivo. Por isso, decidi que queria trabalhar com ele. Disse-lhe que queria algo relacionado com o tempo, que envolvesse desporto e fisicalidade, jogos e plasticina e onde fosse possível reverter todas as probabilidades.
Porque lhe chamou "Cascade"?
Em francês "Cascade" tem também um duplo sentido de desafio. Então, ele resolveu criar coisas a cair, uma paisagem bastante sólida e um caminho para a imaginação.
Escolheu um elenco muito ágil?
É muito curioso, os bailarinos atravessam idades durante esta coreografia. Às vezes são superjovens, infantis até, enérgicos. Outras vezes atiram-se para o chão e parece que há uma sensação de abandono. Mas, ao dar a volta, há também um sentido de maravilha e podem observar um céu cheio de estrelas, como os que as crianças têm projetados no teto. Um sentido de infinito, de espaço, onde tudo é possível, como se fossem astronautas dispostos a explorar.
É uma fuga da realidade?
Esta é uma possibilidade de dessincronização, uma tentativa de mudar as linhas temporais e de sairmos do caminho da realidade. As cascatas não têm de ser sempre uma torrente de efeitos negativos, de fragilidade, onde podemos perder tudo a todo o momento.
Coreograficamente quis jogar com essa possibilidade?
Há um caminho onde podemos reverter as torrentes, e também o podemos fazer coreograficamente. Nem tudo tem de ser ação-reação. As energias em cadeia também podem ser positivas, especialmente se usarmos o humor.
O público português está familiarizado há muito com o seu trabalho. Em que difere esta linguagem?
Cada um dos bailarinos tem a sua própria missão, a sua tarefa de chegar ao fim e descobrir algo. Quem somos, por exemplo. Mas chegamos ao fim e descobrimos o que somos juntos, criando paisagens e esculturas. A linguagem é muito mais selvagem e complexa. É interessante essa linguagem do caos, e algumas podem ser revistas da linguagem de "Violet".
A música e a escala também influenciam o trabalho?
A música joga um papel muito interessante nesta obra, com o som das batidas tudo se torna bastante visceral, e muito pouco opressivo. Mas há também momentos de calma, algo que as pessoas experienciaram muito durante os dois últimos anos. Para a escala foi muito importante ter os teatros vazios para trabalhar, então conseguimos ter o espaço ideal para esta obra e o Rivoli, no Porto, tem a escala perfeita.
Cascade, Meg Stuart, dia 28 (19.30 horas); dia 29 (22 horas), Teatro Rivoli