Onze amizades históricas que terminaram em rutura são analisadas por António Mega Ferreira num livro habitado por grandes figuras como Albert Camus, Gabriel García Márquez, Ernest Hemingway ou Jean-Paul Sartre.
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Houve um tempo, ainda não tão longínquo como isso, em que terminar uma amizade implicava mais do que carregar num anódino botão. É em memória dessas relações plenas e raras vezes pacíficas, mas sempre intensas, que Mega Ferreira escreveu o novo livro.
Mais do que um tratado contra o atual caráter descartável das amizades, "Desamigados" pode ser lido como uma evocação do caráter tempestivo que as relações entre os seres humanos assumem quando vividas numa atmosfera não meramente virtual, que acaba por deturpar em grande parte as dinâmicas naturais do envolvimento recíproco.
O olhar clínico do autor de "Hotel Locarno" permite-nos olhar para o interior de 11 relações célebres que terminaram invariavelmente mal. Pior ainda: sem qualquer reaproximação possível, tão abrupto foi o corte entre ambos. Talvez porque, como escreveu Ralph Waldo Emerson, "a amizade, tal como a imortalidade da alma, é uma coisa demasiado boa para poder ser verdade".
Olhando para este vasto e espetral cemitério de amizades, não é fácil encontrar elementos em comum que terão estado na origem da rutura. Se Vladimir Nabokov e Edmund Wilson se zangaram porque a rivalidade jamais deixou de pairar sobre eles, mesmo quando estavam sempre juntos, no caso de Sartre e Camus as razões não terão sido alheias à incapacidade mútua de reconhecer a grandeza do outro, com receio de que porventura essa assunção ofuscasse o seu brilho.
Há também amizades imperfeitas, como a de Scott Fitzgerald e Hemingway que tinha tudo parar correr mal, tão acentuadas eram as diferenças entre ambas, pelo que o desfecho foi tudo menos surpreendente. No plano inverso, salta à vista a fogosa amizade entre Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez. Inseparável durante anos a fio, o duo sul-americano logrou estabelecer um vínculo quase indestrutível que se foi diluindo à medida que a carreira do colombiano ia somando êxitos sem fim.
Tal como aconteceu com "Gabo" e Llosa, as invejas e os egos detonaram boa parte dos relacionamentos que Mega Ferreira descreve. Tocados por um talento tantas vezes semidivino, os escritores e artistas exibem nas questões mais comezinhas falhas imperdoáveis, como se quisessem provar aos demais que, por muito talento acumulado, nunca deixaram de ser humanos.