Ricardo Pais, encenador, apresenta esta sexta-feira no Porto "Meio Corpo", encenação para o Ensemble.
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O diabo esconde-se nos pormenores. A premissa parece bem latente na nova encenação de Ricardo Pais para a Ensemble. "Meio corpo" estreia, no Porto, esta sexta-feira, no Teatro Carlos Alberto e tem récitas até 4 de outubro.
No espetáculo, há cinco histórias aparentemente desconexas e um autor que se perde em pormenores irrelevantes, sempre em confronto com uma "senhora" que deambula entre uma espécie de Deus omnipresente e a irritante aplicação Siri com respostas pragmáticas que, ao invés de adocicarem a realidade, só servem de manobra de diversão. A "Senhora" (Emília Silvestre) está sempre pronta a cruzar dados, todos os dados. Estranhamente às vezes abandona o registo neutro e perde-se em momentos de luxúria, desenhando silhuetas curvilíneas.
A alusão a Orwell é óbvia com a preocupação latente pelos sistemas totalitaristas. Mas, como dizia Lorca, "ninguém pode vigiar o que vai dentro do peito". E neste espetáculo há muitos peitos acelerados. Há a luxúria do veterinário, "o doutor amigo" encaprichado de forma pirosa com a dona do "Croquete"; o apresentador que afinal trabalhava numa secção de uma agência de informação (novamente Orwell) e que pode ser despromovido. O homem cujo tumor na nuca o deixou sem sanidade e identidade (brilhante fisicalidade de António Parra) e depois há um pai que perdeu o filho. O que acontece quando não acontece nada... A orquestrar ou a ser orquestrado está um autor que quer a todo o custo vingar, mas nem vinga nem é vingado, nem com a morte. Para ver a partir desta sexta-feira às 21 horas.
