Banda de Miguel Nicolau transformou-se num trio que convoca jazz, eletrónica e ambientes no novo disco “III”. Próximo concerto é em agosto, no festival Vodafone Paredes de Coura.
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“Assistimos a uma distopia quase a concretizar-se, mas para a enfrentar precisamos de nos resolver primeiro, trazer à tona a nossa capacidade de transformação pessoal e ampliarmos a consciência coletiva”. É assim que Miguel Nicolau, fundador do grupo Memória de Peixe, aborda o estado do Mundo. E é assim que a música do terceiro álbum, laconicamente intitulado “III”, se dirige à atualidade: reconhecendo o caos, mas oferecendo brilho e otimismo.
Projeto que nasceu da ideia de “compor canções a partir de pequenos loops de guitarra e bateria”, gerando-se uma sonoridade cinemática e ambiental, os Memória não gravavam desde o aclamado “Himiko cloud”, de 2016. “Quisemos que se esquecessem de nós”, brinca Nicolau. No intervalo, houve “mudanças de vida” e “troca de membros”, acolhendo Filipe Louro (baixo e voz) e Pedro Melo Alves (bateria e eletrónica), dois integrantes de The Rite of Trio, projeto singular de jazz exploratório e dadaísta.
Agora em formato de trio, a banda recebeu novas infusões, explica Nicolau: “O Filipe e o Pedro trouxeram um lado experimental e improvisado, mas também uma dimensão pop”. Há utilização de um pedal que transforma o som da guitarra e é uma assinatura que percorre “III”.
Nos momentos mais atonais e dissonantes, lembram Animal Collective, mas também as tapeçarias dinâmicas de Boards of Canada ou Khruangbin. “Quisemos harmonizar a eletrónica e a expressividade humana, a modulação de instrumentos e a matéria orgânica”, diz Nicolau.
De Lynch a Tarkovski
Com influências que não se esgotam no som, os Memória vão ao cinema de David Lynch e Tarkovski procurar um “mergulho nas intersecções entre mundos paralelos, mistérios quânticos e o desconhecido”. A vocação visual e pictórica do grupo rendeu-lhes ainda a nomeação para Melhor Vídeoclip dos Prémios Play 2025, com o trabalho realizado por Miguel Nicolau para o tema etéreo “Good morning”.
Envolvido numa narrativa sci-fi, em que um viajante espacial traz mensagens para despertar consciências, “III” é um convite ao escapismo, mas também à introspeção, apelando à paz interior e à comunhão com os outros.
Assinale-se a presença do saxofone de José Soares em “3:13”, que insere o fraseado jazzístico num tumulto experimental que se vai apaziguando. E o registo crooner de Norberto Lobo em “Under the sea”, um dos poucos temas com voz num álbum essencialmente instrumental.
Ao vivo em Coura
A fantasia e a forte carga visual têm resultado ao vivo em momentos de grande plasticidade, “autênticos cineconcertos”, diz Miguel Nicolau.
A próxima apresentação ao vivo será a 15 de agosto perante a multidão de melómanos aguardada para a edição 2025 do Festival Vodafone Paredes de Coura.