Australiana é a estrela de “Clube Zero”, filme já nos cinemas que aborda a problemática dos distúrbios alimentares na juventude.
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Popularizada pelo papel principal no “Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton, a jovem australiana cedo se tornou atriz de culto para um vasto grupo de autores do cinema de hoje, pela sua beleza estranha e rara mas sobretudo pelo seu talento na criação de personagens fora do comum. A mais recente chama-se Novak e é professora de um grupo de alunos numa escola de elite onde ensina que comer menos é saudável. Uma visão sobre alguns dos temas em debate no nosso mundo, dentro da linha do cinema distópico da austríaca Jessica Hausner. Candidato à Palma de Ouro de Cannes e vencedor do Prémio do Cinema Europeu para melhor Banda Sonora, o filme chega agora às nossas salas.
Como é que surgiu este encontro artístico entre a Mia e a Jessica Hausner? Escreveu-lhe uma carta a dizer-lhe que gostaria de trabalhar com ela
Não, foi de forma muito convencional. Ela mandou o guião ao meu agente. Depois li-o e fiquei apaixonada pela história. Aborda vários temas que penso serem importantes. Depois tivemos um encontro virtual, fiquei muito entusiasmada em trabalhar com ela. Os filmes dela têm um visual fantástico, fora do vulgar.
Durante o filme rimos algumas vezes, mas não sabemos muito bem porquê.
Não nos sentimos confortáveis, sim. A história é bastante perturbadora. A Jessica estava muito consciente disso. De que a realidade é por vezes bastante absurda. Não é daqueles filmes em que estamos sempre a rir às gargalhadas, é outro tipo de riso, não o sei bem classificar. Mas sim, é um riso desconfortável.
E a Mia tem de dizer todas aquelas frases de uma forma muito séria…
Tentámos todas as formas de o fazer. Desde as mais parvas às mais naturais. Foi importante para a Jessica encontrar sempre o melhor equilíbrio. Mas o humor aparece quando algumas daquelas frases são ditas de forma séria. Está sempre a acontecer à nossa volta, é perturbador porque é tão comum.
Não receia que jovens que vão ver o filme achem os seus ensinamentos apelativos?
Espero bem que não. Seria um peso demasiado grande sobre os nossos ombros. Era preciso que não tivessem percebido mesmo nada do filme.
Mas a história está construída para que aquele grupo de jovens a levem a sério…
O que ela vai dizendo ao princípio até faz sentido. Alguns daqueles factos podem ser provados cientificamente. É quando é levado ao extremo que se torna perigoso. Há teorias parecida que são muito populares. Os distúrbios alimentares são geralmente um sintoma de mais qualquer coisa. O que é necessário é saber de onde vêm e porque lá estão.
No mundo de hoje os distúrbios alimentares também têm muito a ver com a aparência. Nas redes sociais, todos querem ser belos e belas…
Hoje em dia os adolescentes têm todos consciência dos seus corpos. A adolescência é um tempo de mudança, de insegurança, também. Se eu fosse adolescente, hoje, com todas as questões climatéricas, de certeza que seria uma miúda muito angustiada. Seria assustador.
A sua escolha para o papel tem também a ver com essa capacidade de sedução, apesar do lado interior mais diabólico da personagem.
A Jessica insistiu muito em que eu representasse uma personagem que acredita mesmo no que está a dizer. De início resisti muito à ideia, quando li o guião achei que ela estava a manipular aqueles jovens. Mas a Jessica tinha razão, assim ela torna-se ainda mais perigosa e assustadora.
Não sabemos bem de onde vem aquela personagem…
É verdade que não sabemos de onde vem, nem nada sobre a sua vida pessoal. Mas isso não impede que ela seja tão influente e tenha um impacto tão grande naqueles miúdos. E essa parte estava lá toda, no guião da Jessica.
Mas não teve essa curiosidade, de a conhecer melhor?
É claro que tive e tenho essa curiosidade, mas também sinto que não tenho de o saber. Do ponto de vista do espetador, também é bom não saber, assim pode projetar nela as suas próprias ideias. Não é fácil psicanalisá-la.
As personagens dos miúdos também têm a sua complexidade, como é que as viu?
A Senhora Novak dá-lhes alguma cosa. Eles estão ali, separados dos pais. Ela vê o que eles são e dá-lhes um poder que eles ainda não tinham tido, enquanto adolescentes. Dá-lhes o direito à palavra. No entanto, acima de tudo, está sempre a sua doutrina.
Foi diferente ser dirigida por uma mulher?
Todos os realizadores são diferentes, sejam homens ou mulheres. Mas fico sempre feliz por ver uma mulher contar uma história e a expressar as suas próprias ideias. Mas mesmo entre as mulheres realizadoras há tantas diferenças entre elas. O que gostava é que tivessem mais confiança nelas próprias, e eu também em mim mesma. É sempre uma luta.
Na sua carreira convivem muitos autores do cinema contemporâneo.
A minha mãe é fotógrafa e estava muito interessada em cinema europeu. Eu e os meus irmãos víamos muitos desses filmes com ela e estou-lhe muito grata. Normalmente abordam temas que os filmes do mainstream evitam, porque não fazem dinheiro.
E na sua vida pessoal, qual é a sua relação com a comida?
Eu como, acredito no ato de comer. Ao contrário da mensagem da Senhora Novak no filme, comer, de forma consciente, é ótimo. Não teria aceite o papel se tivesse de passar fome.