O quarto álbum de originais do músico portuense chama-se "Peixe azul" e é editado por conta própria. Compor continua a ser como respirar.
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"Peixe azul" é o regresso aos álbuns de originais de Miguel Araújo, quatro anos após "Giesta". Gravado entre janeiro de 2019 e outubro de 2020, antes e durante a crise pandémica, não se encontra nele indícios que permitam perceber com clareza em que lado deste marco cada tema nasceu.
"Eu faço as canções de uma maneira muito continuada", diz o autor. "O disco não é motivado pelo, nem fala sobre, o confinamento. Tinha excertos de pequenos segundos de algumas [composições], de outras tinha só a letra, de outras só a música. Quando vou para gravar um disco, este e todos os anteriores, vou ver o que tenho".
Os primeiros passos de "Peixe azul" foram dados com a conclusão do estúdio caseiro de Miguel Araújo, batizado Chiu, no fim de 2018. Ou bem mais atrás. "A incrível história de Gabriela de Jesus" parte de "uma melodia que tenho na cabeça há 25 anos". Mesmo canções que parecem falar para o presente têm outras origens. Como "Ainda estamos aqui", que fecha o álbum: "Não foi pensada para este disco, já existe desde novembro de 2018. Mas quando começou a quarentena, todas as músicas do Mundo, de repente, pareciam escritas para a quarentena".
O novo álbum do músico e compositor portuense é fruto de um processo de descoberta. "Este disco é um bocado eu a aprender a andar nisto. Já sabia tocar os instrumentos, mas para mim era muito frustrante ser tão inexperiente em estúdio. As coisas escapavam-me e eu achava isso frustrante. Agora já começo a ter a minha autonomia".
"Peixe azul" é um trabalho de um homem só. Para lá da voz, Miguel Araújo toca os 15 instrumentos empregues. Tudo material familiar q.b. - "Quem sabe tocar viola também sabe tocar baixo e, se tiver alguma paciência, também aprende bandolim e uquelele. E isso acontece igualmente com os instrumentos de teclas". Com uma exceção: "Nunca tinha tocado trompete em disco, e é outra lógica. Consigo safar-me mais ou menos, mas não tenho aptidão para o tocar num concerto".
Cantigas vaidosas
O intervalo temporal entre os álbuns de Miguel Araújo vai aumentando. "Depois de o meu contrato com a Warner ter terminado com o "Giesta", senti o formato álbum como descontinuado. As canções, hoje em dia, vivem mais isoladamente".
Vai mais longe: "Dificilmente teria feito este disco sem a pandemia. Porque continuo muito focado em canções que são vaidosas e não querem mais nenhuma ao lado delas". Assim são "Talvez se eu dançasse" e "Dia da procissão", com António Zambujo. "Tenho umas 15 ou 20 prontas, com uma produção diferente, mais pop, e estou a tratá-las com o carinho de filhos únicos. São canções que não têm de se cingir à canção do lado, ao contrário das do "Peixe azul", que possuem essa coerência".
Dá Miguel Araújo algum crédito à teoria de que é em momentos de crise, pessoal ou social, que a inspiração fervilha? "Se for assim, estou numa crise pessoal desde pequenino [risos]. O meu chip da criatividade nunca desliga. Não estou 100% disponível para a vida normal. Falo pouco, ouço pouco, estou sempre meio distraído. Não há nenhuma motivação em particular a não ser dar azo às ideias. Para mim isto é como respirar, aquelas coisas involuntárias que o nosso corpo faz, o coração bater. Fazer canções é uma coisa difícil, e essa dificuldade continua a dar-me pica. É uma sorte".