Texto essencial de Miguel de Unamuno sobre a condição de ser português tem nova edição.
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Percorrer os célebres escritos que Miguel de Unamuno devotou a Portugal há mais de um século ainda desperta no leitor de hoje um sentimento próximo da comunhão, pela forma plena e despida de superioridade como o magnífico pensador espanhol procurou compreender a psique de um povo cuja verdadeira essência considerava que residia na tristeza e no fatalismo.
Por muito afastados que possamos estar dessa visão profundamente sombria com que Unamuno concebia a existência, contaminando por arrasto a sua concepção sobre os portugueses, há nestes textos uma poeticidade e um lirismo tais capazes de sobreviver ao mais duro impacto com a realidade e com o tempo. Ou seja: mesmo que não a partilhemos em absoluto, somos quase tentados a crer nesta visão pura do “povo sofrido e nobre”, dada a forma apaixonada e enleante como o também poeta e dramaturgo defende os seus argumentos.
Capítulo fundamental do livro, “Um povo suicida” é a expressão máxima dos seus pensamentos sobre um país que lamentava ser tão ignorado ou incompreendido pelos seus conterrâneos. Claro que a trágica circunstância de ter visto alguns dos maiores espíritos portugueses desse tempo atentarem contra a sua vida (como Antero de Quental, Soares dos Reis ou Camilo Castelo Branco) – muitos dos quais, como Manuel Laranjeira, até eram seus amigos – inculcou no autor bilbaíno essa convicção, a que não faltam laivos de uma certa fantasia, embebida nos ideais da época.
Todavia, se Portugal e os portugueses de hoje não correspondem em larga medida ao ideal professado pelo autor de “Do sentimento trágico da vida”, tal não se deve apenas ao notável desenvolvimento social e económico das últimas décadas, sobretudo após a adesão à União Europeia. Há uma dimensão mais inquietante relacionada com essa mudança (nomeadamente, o afastamento progressivo das coisas do espírito e um deslumbramento pelo lado material) que incute a este texto um forte saudosismo, tão caro, afinal, ao seu autor.
O livro de Unamuno marca o início de uma coleção de pequeno formato que a editora madrilena Casimiro consagra à língua portuguesa, da qual já fazem parte títulos de Francisco de Holanda ou Oscar Wilde.