Miguel Esteves Cardoso: "Penafiel é mais bonito do que dizem. Faz lembrar Oxford"
Homenageado da edição deste ano do festival literário, escritor mostrou-se rendido à "genuidade" da cidade, que até domingo acolhe um amplo conjunto de iniciativas relacionadas com a sua obra.
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Depois de vários dias de chuva, o sol espreitou na manhã desta sexta-feira para alegrar a homenagem que o concelho de Penafiel presta a Miguel Esteves Cardoso, no âmbito do festival literário Escritaria.
No seu primeiro contacto com Penafiel, a cidade que celebra a sua vida e obra durante uma semana, Miguel Esteves Cardoso passeou pelas ruas, adornadas a preceito para o receber, viu as suas frases distribuídas pelas montras do comércio local e “casas bonitas”. “Há casas que parecem romances à espera de serem escritas”, referiu.
A visita começou na Praça do Ponto C – a praça onde está a ser construída uma nova sala de espetáculos – onde Miguel Esteves Cardoso ficará eternizado, através de uma frase sua que dá as boas vindas à praça que será das artes e da cultura e de uma silhueta do seu rosto, da autoria de Ricardo Crista, que foi colocada no centro do jardim, bem perto do coração da cidade.
A receção na praça da cidade - que comparou com Oxford pela sua genuinidade - foi feita pelo Grupo Reverso, do Porto, que declamou excertos das suas obras “A Aventura do Porto” e “O Norte e as Mulheres”, seguido do descerramento da frase do cronista e autor, colocada estrategicamente numa das entradas da praça, para que possa ser vista por todos os visitantes do espaço.
Aos presentes, Miguel Esteves Cardoso leu a frase – “É bom ter tudo por perto, fazer tudo nos mesmos poucos metros quadrados, desde que os cúbicos sejam infinitos” – e confessou que “foi uma boa escolha”. “Representa o que todos fazemos. As pessoas queixam-se de ter pouca coisa, pouco espaço. Mas uma pessoa organiza-se bem em espaços pequenos. Isso já é bom para escrever, desde que a cabeça seja ilimitada, uma pessoa pode sonhar, a imaginação é infinita. Os metros cúbicos são a imaginação e uma pessoa encontra poesia em tudo”, explicou.
“Honrado” pela homenagem que a cidade lhe presta e que ao longo das suas 16 edições reconheceu a vida e obra de vários autores vivos de língua portuguesa como José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues ou Lídia Jorge, Miguel Esteves Cardoso agradeceu a distinção. “Uma honra é quando alguém com mais prestígio escolhe uma pessoa mais pequena. E essa pessoa mais pequena sente-se honrada porque parece que está a chegar ao nível da pessoa maior. E é uma honra ser Penafiel a dar-me a mim, com tanto brio e vaidade justa. Um reles escritor de Lisboa, ser lembrado por uma cidade”, confidenciou, deslumbrado com a “genuinidade” de uma cidade, que ainda não conhecia e sobre a qual prometeu escrever um dia. “É linda. A ideia com que fico de Penafiel não corresponde aquilo que ouvi dizer. É muito mais bonito do que aquilo que as pessoas dizem”, confidenciou.
O Escritaria, que começou na passada segunda-feira e se prolonga pelo fim-de-semana, vai ter debates durante este sábado, mas o momento mais aguardado é a recriação de um painel de debate da tertúlia viperina “A noite da má língua”, da qual Miguel Esteves Cardoso fez parte, que acontece amanhã e que contará com a participação de Júlia Pinheiro, Manuel Serrão, Rita Blanco e Rui Zink. “Acho que vão dizer mal de mim, vão estar virados contra mim e não estou a gostar nada da ideia de estar a ouvi-los”, gracejou.
Esperando deixar aos penafidelenses um bocadinho de si, Miguel Esteves Cardoso garantiu que se vai lembrar deste momento “para sempre”. “Para mim, este é um momento do qual me vou lembrar para sempre”, concluiu, esperando estar perto das pessoas, pelo menos com as suas escritas.
As palavras “gratificantes” do homenageado foram registadas com agrado pelo presidente da Câmara de Penafiel. “Fazemos tudo com gosto e carinho e obviamente que ficamos satisfeitos quando a reação é positiva. O Miguel Esteves Cardoso é uma grande personalidade da nossa vida literária e a par disso é uma pessoa que tem uma história de vida notável e que inspirou várias gerações”, afirmou.
O autarca reafirmou a vontade de internacionalizar o festival e “levar os grandes nomes da literatura portuguesa e Penafiel aos vários continentes”, frisou, relembrando o convite lançado pelo ministro da Cultura de Cabo Verde para promover um festival semelhante ao Escritaria na terra natal de Germano Almeida, a Boa Vista.