O sorriso transparente de Miguel Vieira escondia o nervosismo minutos antes de apresentar a coleção outono/inverno 2017--2018 na Semana de Moda de Nova Iorque.
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À passarela do estúdio C do Piers 59, o estilista de S. João da Madeira levou, ontem, um total de 43 coordenados, na maioria femininos e com elementos inovadores, cunhados com uma marca esculpida em 29 anos de carreira.
Durante nove minutos, as criações de Miguel Vieira materializaram questões filosóficas, perguntas de um milhão de dólares, ante uma sofisticada plateia de 400 pessoas. Em Dia de S. Valentim, longe de querer responder a inquietações saudáveis do amor, o designer português tentou perceber o que absorvemos dos reflexos dos que nos rodeiam e como inspiramos os outros. "O que vestimos é uma forma de expressão do nosso próprio eu ou o reflexo da imagem que projetamos nos outros",questionou o designer. "A sociedade divide-se em grupos de pessoas que se vestem de maneira igual", observou.
A coleção feminina da próxima estação fria mostrada na "Big Apple", "muito trabalhosa", evidenciou técnicas inovadoras na sua execução, como o amarrotado, o plissado e o aglutinado, mas manteve a linha orientadora das criações de Miguel Vieira. "Não podia fugir às minhas origens e às cores que são a minha marca: o preto, o branco, os vários tons de cinza", disse.
O registo "clássico renovado" da coleção é visível nas saias plissadas em pele e polipele, com microdesenhos a laser, ora pinceladas em contrastes, ora com aplicações, em tamanhos mini e maxi. Os reflexos idealizados pelo designer corporizaram-se em peças de neoprene com detalhes em efeito "amarrotado". A acompanhar as criações pontuaram os acessórios, como carteiras, bolsas para tablets e telemóveis. Os sapatos, e em particular as botas com tachas douradas, completaram as propostas.
Reflexões em paralelo
Reflexo dos tempos de incredulidade política, a Semana de Moda de Nova Iorque foi sendo marcada, nos principais palcos, pela contestação às medidas anti-imigração do presidente dos EUA, Donald Trump. As tomadas de posição não chegaram com a mesma intensidade declarativa aos desfiles dos criadores nacionais que pisaram as passarelas nova-iorquinas, mas ainda assim houve lugar para reflexões.
Alicja Pilisczuk, polaca de 20 anos, explicou ao JN que uma tomada de posição, à semelhança das manequins nos cenários principais da Fashion Week, só fará sentido quando for assumida por todas as modelos. "Acredito que chegaremos lá, mas não agora. Todos temos a obrigação de defender a igualdade e a integração", defendeu.
Ao lado, a compatriota Kasia Krol absteve-se de comentar, mas não deixou de condenar a discriminação de que estão a ser alvo as manequins da Trump Models, agência propriedade do atual presidente norte-americano, que deixaram de ser contratadas por algumas marcas. "Acabamos por estar a ser manipulados e vítimas sem culpa da atual situação", lamentou.