Estreia absoluta de “Hei de reparar” é esta sexta-feira no Theatro Circo, em Braga.
Corpo do artigo
Em pouco mais de uma hora, Maria Jorge, sozinha em palco, leva-nos de uma cena do teatro do século XIX até a uma fala moderna, em que sai do sagrado palco para falar a partir da plateia. “Hei de reparar”, em estreia absoluta no Theatro Circo (sexta-feira, 21 horas), é um monólogo, mas é-o com tal multiplicidade de vozes que nos esquecemos que ali está apenas uma atriz – uma que, na verdade, é muitas.
A mais recente criação de Raquel S., no âmbito do programa de apoio à criação Supracasa, da Capital Portuguesa da Cultura – Braga 25, é várias viagens numa só: viagem pelo teatro português, pelas atrizes que por essa arte passaram e por uma reflexão sobre mudança e continuidade.
A peça faz-se de fragmentos. “Tem sobretudo histórias, reais e ficcionadas, e pensamento sobre as histórias. Há citações, frases das atrizes em palco ou em entrevistas e excertos documentais que encontrei”, diz a encenadora do longo, mas necessário, tempo de investigação.
Ontem e hoje do teatro
Pela mistura de atrizes portuguesas dos séculos XIX e XX, Maria Jorge, a protagonista, “é uma atriz que é todas e não é absolutamente nenhuma, porque também ela é atriz”, colmata Raquel S., que chama à peça uma “síntese” do que foi (e é) o teatro português. Uma síntese com um novo olhar: “Como seria se tivéssemos olhado para a história do ponto de vista destas mulheres em vez do ponto de vista de sempre, dos dramaturgos, encenadores e atores, todos homens?”
Ainda que se retrate atrizes mortas, há muito de atual. Das referências de assédio à precariedade e más condições de trabalho, Raquel S. sublinha que, “infelizmente, hoje ainda há muito do que era o teatro no século XIX”, o que instiga à reflexão. “O que mais me vai ficar desta peça será a invisibilização das mulheres velhas”, descrevendo o arquivo do teatro português como branco e cisgénero.
“Hei de reparar”, que terá no sábado uma visita-guiada da encenadora a partir de histórias da peça, estreia nos 110 anos do Theatro Circo (ver mais programação ao lado).
Este é o terceiro momento do Supracasa. “Demos apoio à residência, à cocriação e a ideia é que os espetáculos circulem pelo país e, para isso, angariamos o maior número de programadores para assistirem”, explica a curadora Maria Inês Marques. A segunda edição do programa encerrou a convocatória em março, recebendo mais de 50 propostas. Sobre a continuidade do apoio, Marques não avança previsões, mas garante haver “o objetivo de o Theatro Circo se estabelecer como parceiro estratégico no apoio à nova criação, tanto de emergentes como consagrados”.
Aniversários do Theatro Circo e Gnration com Lena D’Água e Fogo Fogo
A 21 de abril de 1915, nasceu o Theatro Circo e a 1 de maio de 2013 despontou o Gnration. As duas casas da cultura bracarense aproveitam o ano de Capital Portuguesa da Cultura para unirem celebrações. Sexta e sábado há programação conjunta para celebrar, respetivamente, 110 e 12 anos de existência.
Na casa mais nova destaca-se no sábado a celebração de uma década do primeiro disco de funk psicadélico da banda Fogo Fogo, com entrada gratuita. Ainda no Gnration, há a sublinhar a escolha de Rizan Said, que trará uma mescla de tradição do Médio Oriente e eletrónica. Antes, Lena D’Água preencherá o Theatro Circo.
Esta sexta-feira, os Boogarins, banda rock do Brasil, regressam, sete anos depois, a Braga para atuar no Gnration. Nas artes performativas, destaque, no Theatro Circo, para a estreia absoluta de “Hei de reparar”.
O programa de aniversários é também para os mais novos, regressando o formato de DJ matinal, no Theatro Circo, com o rapper e produtor Cálculo, entre outras atividades.