Artista faleceu, este sábado, aos 69 anos com dezenas de discos, prémios e fãs internacionais.
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Uma “hecatombe” era como Mísia, de seu nome Susana Maria Alfonso de Aguiar, chamava a doença oncológica que a vitimou, este sábado, aos 69 anos, numa unidade hospitalar em Lisboa. Depois de ter escrito a sua biografia “Animal sentimental”, em 2022, rematou em entrevista ao JN: “Não sou refém da validação, mas tinha uma necessidade muito grande de pertença. Queria muito ser aceite, agora já posso fechar a porta e ir embora. Estou em paz”.
Era absolutamente singular, ainda antes do seu próprio nascimento, em 1955, que resultou de uma colisão cósmica dos seus pais: uma bailarina catalã e um engenheiro químico do Porto.
Gravou 15 discos em 30 anos (ver seleção), mas nem só de discos se conta a vida desta artista que além de cantar fado de forma “epidérmica” - ou tango ou flamenco - teve também várias participações no cinema e no teatro, como o trabalho sobre os sete pecados capitais apresentado no El Grec [festival artístico de Barcelona], cidade onde viveu e cantou no mítico cabaret el Molino com a avó e com a mãe. Outro exemplo é a obra de Antonio Tabucchi que estreou em Buenos Aires, com encenação de Guillermo Heras e que foi tão premiada que acabou por ter uma digressão pela América Latina.
Apesar de afirmar com brio que era “a primeira fadista na Billboard” dizia que a incomodava “essa pirosada de ser renovadora do fado, nunca a percebi, mas a verdade é que resultou assim”.
A construção da sua singularidade resultou da influência “dos relatos da sua “yaya” (avó catalã), uma personalidade âncora e os seus contos de uma Catalunha marcada pelo franquismo, ao retrato de um Porto burguês, nem sempre afável com quem sai de um registo normativo de época, ao ser filha de pais divorciados. Como conta no livro, as senhoras do Porto “quando saíam para lanchar na Ateneia, ou na Arcádia cheiravam a naftalina e falavam sobre criadas, receitas e bolos”. Uma realidade que vivia, em dicotomia com uma liberdade extrema.
Relação com a literatura
Na sua renovação cantou poemas de Lobo Antunes, Saramago, Agustina Bessa-Luís, Lídia Jorge e Mário Cláudio e também Rodrigo Leão entre tantos outros. Contava que a sua carreira apesar de dezenas de prémios foi uma “travessia no deserto”, porque “em 1991 não havia público, era pop ou rock. O fado não vendia, foi precisa muita tenacidade”.
Apesar disso, frequentava as casas de fado e cantava era amiga da Maria da Fé, do Mário Pacheco, da Maria da Nazaré. Mas dizia que havia algo “insuportável: as fotos dos turistas! Apetece-me morder-lhes a jugular”, contou ao JN, em entrevista.
Recebeu dezenas de prémios ao longo da sua carreira, o último foi em 2020 distinguida pela terceira vez (1996, 2004 ) pela Academia Charles Cros, em Paris, com o prémio “In Honorem” pela carreira e inovação que trouxe ao fado. Em 2019 recebeu o prémio Crítica Fonográfica, na Alemanha, pelo disco “Pura Vida”. 2012 recebeu também dois emotivos prémios : o Prémio Amália Rodrigues, em Portugal e o prémio Gilda de Cinema, em Itália, pelo filme “Passione” dirigido por John Turturro.
França país que a venerava e que várias vezes tentou “adotá-la” concedeu-lhe, em 2011, a Ordem Oficcier des Arts et des Lettres. Em 2010, recebeu o prémio Renato Carosone, em Itália. Em 2005, Portugal atribui-lhe a ordem do Mérito, Já depois da Grand Médaille de Vermeil de la Ville de Paris, e da Ordem Chevalier des Arts et des Lettres, França, e do Festival International du Film d’Art et Pédagogique, França.