Ator de 95 anos, a mulher e o cão foram encontrados mortos em casa, no Novo México. Polícia abriu inquérito e a família fala em possibilidade de intoxicação por monóxido de carbono.
Corpo do artigo
O corpo grande de Gene Hackman estava caído de bruços no hall de entrada da casa, vestia camisola azul, calças cinzentas, tinha calçados chinelos castanhos; uns óculos de sol e uma bengala jaziam espalhados no chão. O corpo parecia ter caído abruptamente e já estava rígido.
Ao lado, na casa de banho de serviço, a sua mulher, Betsy Arakawa, pianista clássica, 63 anos, estava também tombada, mas de lado; as extremidades das mãos e dos pés atestavam sinais iniciáticos de decomposição; um pequeno aquecedor estava virado ao contrário, via-se um frasco de comprimidos entornados na pia.
Junto à mulher, um pastor alemão também morto, o corpo todo enrolado. Dois outros cães estavam vivos e atarantados quando o xerife do condado de Santa Fé, estado do Novo México, EUA, entrou na casa após um telefonema de um vizinho preocupado. Eram 13.45 horas (mais sete em Portugal) de quarta-feira.
“As mortes são suficientemente suspeitas para exigir uma investigação completa” devido às “circunstâncias da cena”, revelou a autoridade, que abriu um inquérito oficial. “A causa exata das mortes ainda não foi determinada. Esta é uma investigação ativa e em andamento”, detalhou o xerife de Santa Fé.
Elizabeth Jean, filha de Hackman, disse ao site TMZ que “eles provavelmente morreram de envenenamento por monóxido de carbono” - mas os bombeiros e a companhia de gás não encontraram sinais dessa possibilidade dentro da casa, noticiou a ABC News.
Dos melhores vilões aos raros benignos
Gene Hackman, esplêndido especialista na arte de compor homens duros em conjunturas anómalas - como o detetive Jimmy Popeye de “Os incorruptíveis contra a droga”, de William Friedkin, ou o bruto xerife Little Bill do western “Imperdoável”, de Clint Eastwood, filmes com que ganhou dois Oscars - tinha 95 anos e deixa alicerces com a fundura de seis décadas em Hollywood.
Estava reformado por causa do coração - o seu último filme é de 2003, “Welcome to Mooseport”, comédia amplamente sofrível com Ray Romano -, dedicava-se a escrever e a contemplar a paisagem das Rocky Mountains e continuava apaixonado pela mulher Betsy Arakawa, a pianista com formação clássica do Havaí, que conheceu nos anos 80 num ginásio californiano, e com quem construiu a casa onde ambos agora morreram.
Hackman, que permanecia longe dos olhos do público há 20 anos, deixa três filhos adultos, fruto do casamento com Faye Maltese, de quem se divorciara e que morreu em 2017.
Os vilões, ou os homens paranoicos, como o que fez para Coppola, em “The Conversation”, ou como Lex Luther, do primeiro “Superman”, ficam cravados no seu memorável lastro cinematográfico.
Entre as suas personagens de maior bravura, e sensatez, sobressai o benigno agente do FBI de “Mississípi em chamas”, um enervante estudo rácico dos americanos xenófobos do sul, realizado por Alan Parker, com Willem Dafoe e Samuel L. Jackson a lutar por justiça depois de ver a filha violada e morta por um par de "rednecks".
Este é o filme a ver hoje
Mas há um outro filme, já no entardecer da carreira, feito em 2001, muito mais raro e que hoje, na hora da sua morte, parece ser o filme ideal para recordar o inestimável ator: "The Royal Tenenbaums", de Wes Anderson.
Sob uma constelação de estrelas (Alec Baldwin, Anjelica Huston, Gwyneth Paltrow, Bill Murray, Luke Wilson, Ben Stiller, Owen Wilson, Danny Glover), Gene Hackman é o cometa deste drama familiar cómico e caloroso, sarcástico e excêntrico.
Ele é o Royal, um patriarca falhado que reentra na vida dos filhos e da mulher após anos de ausência e afastamento. É um homem no seu crepúsculo, a caminho do fim da vida, transparente e misterioso, que avalia aquilo que detém, aquilo de que sente falta e que extrai tudo o que deve ser valorizado. É doce, é surpreendente, é o seu perfeito canto do cisne.