Realizador brasileiro de 58 anos, com percurso pessoal e profissional em vários pontos do mundo, Karim Ainouz regressa à terra natal para a sua nova provocação: “Motel Destino”.
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Num pequeno motel da costa cearense, a vida do casal de proprietários é perturbada pela chegada de um jovem. Thriller de excessos, de sexo e sangue, com um forte pendor erótico, “Motel Destino” já está em exibição em todo o país. No Cinema Trindade, no Porto, dá origem a uma pequena retrospetiva da obra de Karim, associada ao mar, com filmes como “O céu de Suely”, “Viajo porque preciso, volto porque te amo” e “Praia do Futuro”. O realizador estreou o filme na competição de Cannes e esteve presente na antestreia no Porto.
Depois da incursão pela monarquia britânica e da viagem às origens familiares argelinas, gostou de voltar ao Brasil?
Quando vimos de um lugar da mistura, é normal. Eu venho, e sou, de lugares muito diferentes. E cada vez me interessa mais brincar com tradições que não são minhas. O filme negro não é da minha cultura, mas é uma tradição com que convivi durante muitos anos. Não precisamos de ser coerentes o tempo todo.
Mas sendo um regresso ao Brasil, teve significado especial?
Foi um regresso a um Brasil que eu achava que não ia mais existir. O meu filme vem com vontade de devorar o Brasil. Vem com essa coisa do excesso, que é muito importante. É uma volta a um país que eu achava que ia acabar. Quando a gente vê que ele não acabou, que ele está ali, o filme tem essa coisa febril, essa sensação de se poder andar na rua de novo, de se poder sonhar de novo.
O trio de personagens do seu “Motel Destino” é uma referência ao clássico “O carteiro toca sempre duas vezes”, de Bob Rafelson?
Certamente que foi, não só por ser um filme que me interessa, mas por ser um filme que fala do forasteiro. O filme negro tem uma coisa que me encanta, além da estética, dos ambientes, da trama, são as personagens que têm sempre uma moral duvidosa. São personagens sempre interessantes. É um género que me permite falar deles de uma maneira menos frontal, não olhando para eles como objetos sociológicos.
Do ponto de vista estético, o vermelho é a cor dominante do filme. Quer explicar?
Se há alguma coisa que une todos os meus filmes é essa minha obsessão pelo vermelho. Não sei explicar porquê, mas acho que não vem nem do sexo nem da paixão. Neste filme também é uma cor que fala do perigo, do sangue, da morte.
Este motel existe mesmo ou é apenas um cenário fictício?
O motel existe mesmo. Fizemos uma pesquisa em cerca de 80 motéis! Era muito importante filmar num motel que fosse perto do mar. Em alguns motéis que pesquisámos, os quartos eram muito pequenos ou então eram motéis de alto luxo. Este pareceu-me ter uma boa escala. Tinha 13 quartos e profundidade que permitia algum recuo da câmara. E ficava um pouco isolado naquele lugar. Tinha aquele aspeto de prisão.
E já se chamava mesmo Motel Destino ou inventou o nome?
Não, o nome real é outro, é incrível: Sex Motel. Mais direto era impossível [risos].
Passou a ser Destino porque estas personagens têm o seu destino já traçado?
De um lado temos o desejo, algo que é intangível, sonhado. E do outro, há uma personagem que acha que desde que nasceu que anda a fugir da morte. Se não fosse o destino, nada o salvaria. Eu estou o tempo inteiro a jogar com questões políticas urgentes, que têm de ser visíveis, mas não quis fazer uma fábula. Quis que o espectador sentisse isso, mas que o esquecesse logo. O Motel era muito útil para isso.
Em vez de uma mulher deslumbrante e de dois homens bem musculados, apostou em três pessoas absolutamente comuns. Porquê?
Estas personagens não têm nada. Aquele rapaz tem uma mochila e um futuro possível, mas na realidade não tem nada. Só tem o corpo dele. E ela também. O que tem, além do corpo dela, é só o motel. Era importante que fossem corpos incongruentes. É a diferença entre pornografia e sensualidade. Os copos destas personagens são os corpos deles, não são copos construídos para o espetáculo. Podia ter escolhido corpos exuberantes, mas era importante que fossem personagens em quem pudéssemos acreditar.
Colocou o Fábio Assunção, uma estrela brasileira, ao lado de atores menos conhecidos.
Quis fazer um filme muito local e era importante termos atores dali. Gosto muito de misturar atores experientes com atores que começaram há pouco. Há sempre uma boa troca, um certo descompasso, que é bonito ter. Nada é muito harmónico naquelas relações. O lugar de onde eles vêm torna tudo desencontrado. É essa a ideia do filme.