
Mulatu Astatke desenvolveu um novo cosmos musical, o ethio-jazz
Foto: Direitos reservados
Músico etíope de 81 anos reinventa as suas joias no disco "Mulatu plays Mulatu".
Corpo do artigo
Se algumas divas da Hollywood clássica, como Greta Garbo ou Grace Kelly, abandonaram a carreira no auge e permanecem eternamente jovens no imaginário global, Mulatu Astatke, a estrela do jazz da Etiópia, prepara também a saída de cena com um álbum que o revela no píncaro dos seus poderes. A diferença é que será lembrado como um notável decano de 81 anos.
"Mulatu plays mulatu" é o palimpsesto de outro apogeu, ocorrido nas décadas de 1960/70, quando o compositor e instrumentista nascido no Império da Etiópia desenvolveu um novo cosmos musical - o ethio-jazz -, que fundia jazz moderno, funk, ritmos latinos e caribenhos e as tradições musicais etíopes. Mulatu atuou para o imperador Haile Selassie, tido como divindade para o movimento rastafari; colaborou com nomes como Duke Ellington ou Mahmoud Ahmed; chegou ao presente como influência de Kanye West, Nas ou Madlib.
A construção do álbum enforma a sua vocação planetária: numa primeira sessão, em Londres, fez-se acompanhar de uma orquestra de nove instrumentistas, que incluiu famosos improvisadores como John Edwards e Neil Charles. A segunda volta teve lugar em Adis Abeba, onde juntou, no seu clube Jazz Village, músicos etíopes que acrescentaram novos tecidos com o masenqo, o krar ou o kebero, instrumentos históricos de cordas e percussão.
O resultado é uma expansão de texturas, ritmos e harmonias, que ampliam os temas, adicionam zonas de improviso, aumentam as suas propriedades hipnóticas e misteriosas. Criam-se novos pontos de vista sobre "Yekermo sew", tema incluído na banda sonora de "Flores partidas", de Jim Jarmusch, ou "Chik chikka", peça já retrabalhada com os The Heliocentrics. É um testamento em forma de coda que repassa e reinventa um repertório que foi sempre uma sonda no desconhecido. E uma fonte de prazer inesgotável.
