Museu ardeu totalmente em 2015 e foi reconstruído em 2021. Mas, se antes era só uma celebração da língua, agora foi enriquecido com a cultura indígena e os falares da grande população afro-brasileira. O JN esteve lá.
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Na estação da Luz, em São Paulo, a luminosidade que caracteriza uma das estações ferroviárias mais utilizadas na grande metrópole brasileira, contrasta com o ambiente escuro do Museu da Língua Portuguesa, onde no seu interior o que importa são as palavras que saltam à vista dos visitantes, a maioria deles jovens e crianças.
Há um ano, o museu foi reinaugurado, em plena pandemia, com a presença do presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, depois de em 2015 ter sido destruído por completo por um incêndio que marcou a cidade com a morte de um bombeiro.
Renascido das cinzas, o Museu da Língua Portuguesa aparece renovado e com outras perspetivas. Marília Bonas, diretora técnica do museu frisa que "quando abriu era apenas uma grande celebração à língua portuguesa", mas atualmente "trazemos contrapontos". Ou seja, o conteúdo expositivo foi enriquecido com a cultura indígena e os falares de uma grande população afro-brasileira, "trazendo também as contradições da língua portuguesa, reforçando-o com a variante brasileira, sendo reconhecida em função da interferência das línguas indígenas e africanas".
Visitar o museu é, principalmente, uma experiência interativa, já que a grande maioria do conteúdo é exclusivamente digital. Entra-se num mundo cheio de ecrãs táteis, permitindo perceber as diferenças da forma como a língua portuguesa é falada nos vários países. "Há uma diversidade mais forte do que na primeira versão e traz pontos de reflexão sobre a questão da colonização", explica Marília Bonas.
Este reforço do papel colonizador de Portugal, para o bom e para o mau, foi sempre uma das críticas mais acérrimas a um museu que se queria plural. José Ribamar Bessa Freire, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e um especialista em estudos dos povos indígenas fala em "repressão" das línguas autóctones ao longo dos séculos e que atualmente está representada no museu com o título "Falares". Nesse local, no terceiro andar, por onde começa a atual exposição, o visitante encontra uma instalação com nove ecrãs verticais enormes, nas quais aparecem, em tamanho natural, diversas pessoas desconhecidas e outras famosas de vários pontos do Brasil, podendo mostrar-se a diversidade com que o português é falado. Rezas, brincadeiras, cantos, poemas e interpretações teatrais sinalizam o poder da língua.
Mas a exposição principal do Museu da Língua Portuguesa reúne experiências que ajudam a mostrar a diversidade da língua falada no Brasil e noutras partes do Mundo, utilizando para isso textos informativos, interatividade e recursos audiovisuais. No "Línguas do Mundo", por exemplo, 23 das 7 mil línguas diferentes existentes, do português ao grego, do yanomami ao farsi, são ouvidas em postes espalhados pelo espaço museológico. Já no "Nós na Língua", ganha destaque o português falado em países como Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde ou Guiné-Bissau. "Agora temos uma parte toda dedicada à lusofonia, a outros países, em especial do hemisfério sul que falam a língua portuguesa" diz a diretora técnica do museu.
É possível também ver a linha do tempo da língua portuguesa através de um grande painel onde são mostradas as origens remotas e indo-europeias da língua, apresentando a evolução histórica do português desde o etrusco, o latim clássico e vulgar, as línguas românicas antigas e as três línguas que compõe o cerne da língua portuguesa contemporânea: o português lusitano, as línguas indígenas e as africanas. No fundo, o objetivo é "fazer com que mostre a língua portuguesa dinâmica e global. Não é um museu da língua portuguesa formal, fala em toda a sua diversidade e riqueza", termina Marília Bonas.