Quem tem ciúmes come cola e bebe água, ensinava-nos Sílvio Naná. Um provérbio são-tomense particularmente oportuno, tendo em conta que bebíamos água e estávamos sentados à sombra de uma coleira.
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Para ser preciso, era mesmo na "Sombra da Coleira", esplanada onde batia uma brisa que ajudava a suportar a sufocante humidade equatorial. Um terreiro sobre a Escola Patrice Lumumba e o canal onde corre o rio Água Grande.
Voltemos à coleira, a árvore que dá a cola, fruto que, garantia Naná, os seus compatriotas comem apenas quando precisam desesperadamente de enganar a fome. Mastiga-se e cospe-se. Quem tem ciúmes, já se disse, bebe água e masca a cola. Quem tem fome, e são muitos em S. Tomé, bebe cacharamba, a fortíssima aguardente de cana do país. Fiquei com dúvidas se a energia que assim se consegue para enganar a fome virá de facto da cola ou se será da cacharamba. Se é a fome que se vai ou o torpor do álcool que chega.
A lição sobre costumes alimentares desesperados continuou, sob a batuta de Sílvio, descendente de caboverdianos que chegou a ser internacional de futebol por S. Tomé e estava ali reconvertido em motorista e guia de ocasião. Usa mais uma vez os exemplos que estão à mão. Porque do outro lado da rua, mas no mesmo terreiro, está a esplanada "Sombra da Fruteira", a árvore de onde cai a fruta-pão, presença assídua às refeições, haja ou não fome. E ainda a "Sombra do Caroçeiro", outra árvore, outra sombra, outra esplanada.
Não veio para a mesa, mas explicava Naná que podíamos ter pedido matabala, um tubérculo que cresce livremente na floresta equatorial. Se houver quem a apanhe, corta-se às rodelas e frita-se. Há quem as venda em pequenos pacotes de plástico: são as "pala-pala" de matabala. Menos provável, pelo menos para uma esplanada à sombra de uma coleira, seria que houvesse voador, "o peixe do povão", abundante na época da gravana - período entre os meses de Junho e Agosto, com menos humidade, menos chuva e temperaturas mais amenas.
A gravana é uma dádiva, garante Sílvio. "Uma época boa, com muito peixe e toda a gente bem alimentada". Os pescadores pousam as folhas de palmeira no mar e o voador pousa em cima, para desovar. Folhas de palmeiras de onde escorre a seiva doce que, ao fermentar, se transforma em vinho de palma. Outro truque são-tomense para enganar a fome e o tempo.