Novo álbum da artista Nancy Vieira é lançado a 15 de março e apresentado esta sexta-feira em Lisboa, com convidados de luxo.
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É considerada uma das sucessoras de Cesária Évora, mas garante, com humildade, partilhar a honra com todos os artistas que levam a música de Cabo Verde e de África aos quatro cantos do mundo. Muitos deles estão no novo disco de Nancy Vieira, “Gente”, a editar no próximo dia 15 – e a apresentar ao vivo, neste dia da Mulher, e em estreia absoluta, no São Luiz Teatro Municipal.
Esta sexta-feira, em Lisboa, com a presença de convidados especiais como Acácia Maior, Amélia Muge, Fogo Fogo, Mário Lúcio, Paulo Flores e Remna, o público português terá o primeiro contacto com o novo trabalho de Nancy Vieira, que sucede ao aclamado “Manhã florida” (2018), e que nasceu de uma coprodução da própria com Amélia Muge e José Martins.
Gravado em Lisboa entre o histórico estúdio Namouche e o Cervantes Estúdio, o álbum conta com estas participações especiais que estarão no espetáculo ao vivo e ainda outras tantas, como nomes como Fred Martins ou Miroca Paris a colaborar. Inspirado no híbrido de funaná e samba que Kaka Barbosa impulsionou e apelidou de "funamba", "Sol di nha vida", com assinatura de Mário Lúcio, foi primeiro single do disco, mostrando um novo ecletismo e vários mundos – várias gentes – num só trabalho.
Ao JN, a artista, que nasceu na Guiné-Bissau, cresceu em Cabo Verde e vive em Lisboa, explicou como o disco é um encontro de ideias entre músicos de várias nacionalidades, géneros, idades e maneiras de sentir.
“É a minha gente. A minha gente de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, a gente de Angola. E de outras nacionalidades, cujo trabalho, cuja música me inspira, hoje e sempre”, começa por explicar. “Tenho gente, tenho músicos que me acompanham há já muitos anos; e tenho comigo neste disco pessoas que conheci há pouco tempo, mas que me tocam”, adianta.
E dá exemplos: “começando pelo início, o país onde nasci: sou cabo-verdiana nascida na Guiné-Bissau. Fui para Cabo Verde com quatro meses, não tenho vivência da Guiné – voltei lá em adulta recentemente, mas o meu contato faz-se muito através da música e dos amigos de Portugal e de Cabo Verde, que são guineenses e artistas. Surge, portanto, no disco, o Remna, como representante da música da Guiné-Bissau, com uma composição lindíssima que se chama ‘Singa’”, adianta.
Da “gente” de Cabo Verde, está presente Mário Lúcio, “um dos meus parceiros de sempre, um dos autores, compositores que mais me inspiram”. De Angola, Paulo Flores: “recriei um tema que gravei no primeiro disco, há cerca de 30 anos, que foi muito acarinhado, um tema muito bem acolhido em Angola. Então como agradecimento fiz uma versão dessa música com esse grande embaixador da música de Angola, que é o Paulo Flores”.
Entre outras partilhas e colaborações, Nancy Vieira destaca a música “lindíssima” que foi inspirada pelo processo de gravação do disco, composta por Amélia Muge, que é a produtora principal do álbum. “E tenho um fado crioulo, o título da música é mesmo esse, cantado em português, da autoria de um amigo brasileiro que se chama Fred Martins. Portanto, como pode ver, é muita gente, mas não é um trabalho disperso, porque é gente que convive bem, são músicas que convivem bem. Até porque a música de Cabo Verde não é uma coisa só, não é? É resultado de uma mestiçagem, também de música”, salienta a artista.
Viajar com a música
Ouvir o trabalho de Nancy, a sua “Gente”, é viajar um pouco para Cabo Verde. É esse um objetivo também seu, ser de alguma forma divulgadora da música e da cultura de Cabo Verde pelo mundo? “É, sem dúvida. Posso dizer que o trabalho, a música, é uma expressão nossa, das pessoas, dos artistas, da nossa emoção. Mas, no nosso caso, dos cabo-verdianos que vivem fora, com esta saudade, que têm muito orgulho dessa origem das nossas ilhas, é algo mais. Temos orgulho nessa terra que é pequena, mas para nós é grande em emoção e em tanta coisa, que queremos partilhar com o mundo inteiro. E a música tem sido um grande veículo, um grande meio de convite e de dar a conhecer Cabo Verde nos quatro cantos do mundo”, explica a cantora.
Um pouco como Cesária Évora fez, lembra – e, também por isso, Vieira é muitas vezes apelidada de uma “herdeira” do legado da cantora. Uma “responsabilidade”, que partilha com honra, conta-nos. “Sinto-me bem. Sinto responsabilidade, mas essa herança é coletiva. Essa herança é de muita gente, é de muitos artistas. Não é minha. É uma herança que partilho com os meus colegas músicos, com os meus colegas, cantoras e cantores. A herança de Cesária Évora é a herança do Bana, da Celina Pereira, é a herança da Titina, e estou a falar só dos grandes da nossa música que já desapareceram fisicamente, mas é a herança também dos que ainda estão vivos, não é? Alguns já incapacitados de gravar e de fazer concertos. Então nós, mais novos e menos novos, cabe a nós agora dar seguimento, por discos e concertos, a esta coisa maravilhosa que é a música de Cabo Verde. Porque depois temos também as gravações históricas, áudios, imagens históricas, que ficam para sempre e não morrem, são vivas”, destaca.
Vinis ao domingo
Voltando ao início, para Nancy Vieira a música começou muito cedo, como quase sempre no arquipélago onde cresceu: em casa, na rua, nos encontros de família. “A memória mais antiga da música é a que acontecia em minha casa. O meu pai punha os seus discos ao domingo – ele trabalhava muito, mas ao domingo eu acordava sempre com música, com os seus discos, de vinil mesmo. Música de Cabo Verde, morna, discos do Bana, música clássica. E depois, a música feita em casa, nos convívios de família. Porque o meu pai toca vários instrumentos, os meus tios, as minhas tias também”, conta ao JN. E lembra: “em Cabo Verde, quando uma família se junta à volta de uma mesa ou para uma refeição de fim de semana ou nos dias de festa, assim como há boa comida, boa bebida, há música naturalmente. Alimentamos-mos de música no nosso dia a dia, dessa forma natural e espontânea”.
Agora, aos 49 anos e olhando para trás, Nancy Vieira diz não poder avaliar se tem a carreira com que sonhou, por um motivo simples: “eu não sei se sonhei com uma carreira. Acho que não sonhei, propriamente”, recorda. “Comecei a cantar em casa. Com o meu pai, com a família. Comecei a cantar para o público em jeito de brincadeira. E a coisa foi acontecendo, desenrolando, fui tendo algumas oportunidades, muito incentivo por parte de pessoas importantes, cabo-verdianas e não só, muito em Lisboa, aqui em Portugal”.
O primeiro disco foi resultado de um concurso no qual participou, “portanto, o prémio era a gravação de um disco”. Depois de algum tempo, “surgiu uma proposta para gravar um segundo disco, mas tudo foi acontecendo meio timidamente”, frisa.
“Posso dizer que esta coisa de assumir, de dizer ‘ok, parece que isto é ser artista, uma carreira, gravar discos e fazer concertos’ – essa assunção, da minha parte, é relativamente recente. Mas fui gostando muito, e fui tendo grandes oportunidades de ir fazendo coisas. Vão-me acontecendo coisas fantásticas, encontros fantásticos, de muita sorte”, relata ainda.
E dá exemplos: “há muitos anos, por exemplo, estava em casa, no meu dia-a-dia, uma jovem, e recebi um telefonema do Manuel Moura dos Santos, então manager do Rui Veloso, a perguntar se queria gravar um dueto com ele. Tempos depois fui contactada pelo Manuel Paulo, para a Ala dos Namorados, com a mesma ideia. E tenho conseguido, ainda agora, cantar com nomes tão bonitos. Como tive a oportunidade de estar perto da Cesária, do Bana, do Ildo Lobo, da Celina Pereira… Para mim isso é o mais importante. Essa é a minha aprendizagem, o estar perto de pessoas, agora falando dos mais velhos, que foram, ou são, meus ídolos”, salienta.
Com o concerto do São Luiz à porta e novas datas possivelmente a desenharem-se, chega uma parte que traz alegria à artista cabo-verdiana. “Já tinha muitas saudades do estúdio, dessa parte do trabalho. Mas nada é como estar no palco e ter esse contacto com os diferentes públicos”, frisa.
“Tocar aqui em Portugal ou mesmo em Lisboa, ou no Algarve ou no Porto, é sempre diferente”, frisa. “De tocar em Cabo Verde, ou na Polónia, ou em França”, lembra. “Mas em todos os casos, é muito gratificante; porque o maior elogio que me podem fazer, a melhor reação que as pessoas podem ter, é dizerem que se sentem, que se sentiram a viajar até Cabo Verde, aqueles que conhecem; ou aqueles que nunca foram, dizerem que se sentem a viajar até um sítio que não conhecem, mas que lhes parece agradável e prazeroso”, conclui a artista.
O concerto desta sexta-feira (8) está agendado para a partir das 20 horas, com bilhetes desde os 20€. “Gente” tem edição marcada para 15 de março, com o cunho da Galileo Music.