Obra autobiográfica revela a reacção do autor face ao nascimento de uma filha com Trissomia 21.
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"Não eras tu quem eu esperava" é uma banda desenhada auto-biográfica de Fabien Toulmé, com edição portuguesa recente da ASA. Sendo de leitura muito fácil e fluída, trabalhada com sinceridade e humor, não é um livro fácil. É a história do próprio autor e da esposa, face ao nascimento da sua segunda filha, Júlia, com Trissomia 21.
Como pai, nunca me tinha passado pela cabeça a possibilidade de rejeição de um(a) filho(a) à nascença, devido a uma doença ou malformação... Possivelmente entendo-a de modo intelectual, emocionalmente tenho mais dificuldade. Embora seja levado a escrever que entendo. Sem sentir.
Mas é isso que Toulmé faz desfilar perante os nosso olhos ao duzentas e tal páginas - ao longo de uma dezena de meses... - expondo-se cruamente, expondo a sua revolta, as suas dúvidas, os seus receios, o seu desânimo, os seus sentimentos contraditórios (ou não...), desnudando a sua luta interior enquanto pai que 'não esperava uma filha 'assim'.
Por isso, o título é ao mesmo tempo tão belo e tão forte e tão cruel e tão chocante... E de uma sinceridade desarmante.
Ao longo das páginas, de leitura muito acessível, sem desvios nem exercícios de estilo, pura e simplesmente assistimos ao recontar de um momento tão emocionante e marcante como é o nascimento de um filho, e ao mesmo tempo tão complicado na vida do autor, dada a descoberta pós-parto, e somos mergulhados no sentimento de rejeição que prevalece sobre os outros expectáveis - o amor paternal, a alegria, a felicidade... - e, inconscientemente, somos levados a vestir a pele de Toulmé e a pensar 'o que faria eu no lugar dele...?'
Não há respostas simples, não há sequer respostas verdadeiras sem passar pela situação, mas este livro pode ser uma boa ajuda para quem vivencia situações semelhantes, pode ser uma leitura de conforto para quem teve sentimentos similares.
É um exemplo do potencial narrativo da banda desenhada e é, indiscutivelmente, uma belíssima obra, sincera e comovente, o reflexo de um pedaço de vida duro e emocionalmente violento.