Série inglesa "Vocês não me conhecem", na Netflix, deixa o final em aberto. Técnica narrativa coloca o público no papel dos jurados num tribunal.
Corpo do artigo
Há muitos anos, no início da popularização da televisão - deixem-me escrever assim, para soar simpático - um dos programas de sucesso chamava-se "O juiz decide" e nele, um antigo magistrado julgava casos supostamente reais, representados por figurantes.
Vem este introito a propósito de "Vocês não me conhecem", série que adapta um livro de Imran Mahmood e tem por base um julgamento em tribunal, cujo desfecho, condenação ou absolvição, cabe ao telespectador decidir - ou intuir - em função do que lhe vai sendo contado.
O protagonista é Hero (o ator Samuel Adewunmi), um vendedor de automóveis de sucesso que, quando conhece Kyra (Sophie Wilde), uma leitora compulsiva, vê a sua vida mudar. Duas vezes: a primeira, quando passam a viver juntos; a segunda, quando ela desaparece sem deixar rasto, o que levará a locais e companhias pouco aconselháveis.
Se em tempos fomos aculturados pelo ritmo e os tiques das séries norte-americanas, com a difusão do streaming temos acesso a produções mexicanas, coreanas, espanholas, nórdicas...
E a verdade é que, consoante a sua origem, têm características específicas. "Vocês não me conhecem", sendo inglesa, ostenta ritmo lento, por vezes exasperante, exibe curiosos procedimentos judiciais e apresenta pronúncia cuidada, mesmo que a ação decorra em subúrbios pouco recomendáveis, de maioria negra.
No episódio inicial, Hero está a ser julgado pelo assassínio de Jamil (Roger Nsengiyumva), um pequeno traficante com quem tinha um passado acidentado e todas as provas forenses parecem mostrar que é culpado. Ele dispensa a advogada e conta a sua versão, demonstrando como as provas podem contar outra história.
"Vocês não me conhecem", diz ao júri e, a partir daí, confessando mesmo crimes menores, assistimos a sucessivos regressos ao passado em que nos narra como tudo sucedeu. O final, em aberto, deixa o telespectador adivinhar a decisão do júri, que é como quem diz, perceber se nós, como os jurados, ouvimos a verdade ou fomos completamente manipulados.