Ney Matogrosso apresentou-se como é, esta quinta-feira, no Porto. Sem sinal dos 83 anos nem de qualquer inflexão na sua forma de ser “vira-lata com raça”. E com ovação de pé naquela pronúncia brasileira que já é Portugal. Domingo há mais em Cascais.
Corpo do artigo
O dourado lânguido do fato, a projeção do patchwork de uma favela ou de um casal a fazer amor pelo tempo de uma cantiga sobre maçãs e a beleza de deitar, a irrepreensível voz de contratenor, a panóplia de ritmos que contam uma carreira rija, nada de fingimentos.
Ney de Sousa Pereira, filho de Antônio Mattogrosso Pereira e do estado de Mato Grosso, sempre disse que nunca se escondeu. E foi assim que o Porto o acolheu esta quinta-feira à noite, na Super Bock Arena. Como ele é. Um gigante sem idade.
Será provavelmente aquilo que mais se pergunta a alguém que foi ver Ney Matogrosso atuar: como é que um homem de 83 anos nos apresenta 53 anos de uma carreira ímpar na música, já considerada uma das três melhores que brotaram na América Latina desde que há memória? Na perfeição.
Poderíamos pegar na letra de qualquer uma das suas cantigas para responder à pergunta. Bastar-nos-á agarrar na primeira da atuação, que dá nome ao álbum e à tournée homónima que traz cantor brasileiro até Portugal. “Eu quero é botar meu bloco na rua / Brincar, botar pra gemer / Eu quero é botar meu bloco na rua / Gingar pra dar e vender”.
Energizante, brilhante e cativante, Ney Matogrosso percorreu o álbum e, na hora de fingir terminar o show para dar espaço ao encore, fez como ele é. Não saiu. E explicou que não ia fingir, que ia ficar mais uns trechos, mas que impunha uma condição. Era fácil: havia que cantar.
Foi o suficiente para levantar mais de 4000 pessoas das cadeiras. Uma audiência animada pela energia brasileira e pela viagem a sucessos do passado. Com a apoteose óbvia: o “Homem com H” que, agora, é também o filme da vida de um artista que se ergueu contra convenções, antigas ou contemporâneas, e que se disse “vira-lata com raça”. Um senhor com S que se apresenta de novo este domingo no festival Coala, em Cascais.