Cantor está em Portugal e falou ao JN da sua cinebiografia, do instinto e do espírito indomável. Tem 83 anos e não quer sequer pensar em parar. Depois do Porto, atua este domingo no Festival Coala, em Cascais.
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Camaleónico, arrojado, transgressor, alado: um dos maiores nomes da música brasileira, Ney Matogrosso, está em Portugal para “botar o seu bloco na rua”, como no tema e digressão que o levou ao Porto na passada quinta-feira, e este domingo, ao Festival Coala, em Cascais.Aos 83 anos, sem dar sinais de abrandar, com mais de cinco décadas de uma carreira histórica, o nome maior da MPB ganhou este ano uma exposição no Brasil e viu a sua vida retratada numa cinebiografia: "Homem com H", de Esmir Filho, que já estreou nos cinemas brasileiros e chega em breve à Netflix – mostrando o percurso de Ney desde a infância e passando pelo grupo Secos & Molhados. O JN falou com Ney Matogrosso, recém-chegado a Portugal, depois de várias horas numa viagem intercontinental. E, no entanto, chegou igual a si mesmo, jovial, direto, surpreendentemente humilde. Para o artista, tudo tem sido uma questão de “instinto”.
Quando se referem a si como “lenda” da música, entre outros vocábulos, acha isso uma bênção ou uma responsabilidade?
Responsabilidade não é, porque eu não me considero nada isso [risos]. Não sei “ser” uma lenda ou algo assim, sabe, nem penso, é algo que nem passa pela minha cabeça.Mas há artistas que deixam a sua música, e depois há os que mudam a cultura.
O Ney entende ser esse artista, e isso é consciente, ou está só a seguir o seu instinto?
É só seguir o meu instinto. Eu venho transformando na medida do que sinto. Como que oiço uma voz que diz “vai por aí” e vou. Sempre foi assim.Quando iniciou a carreira, tinha um plano e via-se a fazer isto aos 83 anos? Não, primeiro porque nem pensava que seria cantor [risos]. Primeiro queria ser ator. Na hora que virei cantor, fiquei assim ‘bom, vamos ver até onde é que isto vai’. Por isso, nunca determinei se seria por muito ou pouco tempo. E está indo, desde então. E, se estou a conseguir ainda fazer isto, é porque está tudo bem. Enquanto der, eu farei.
Estreou o filme “Homem com H”. Era importante as pessoas conhecerem a sua história? E será que mesmo no Brasil não conheciam bem o Ney?
Olha, com requintes de detalhe, não, não conheciam, vai ser a primeira vez, com este filme. O filme mostra a pura verdade, porque essa foi uma questão minha, uma imposição minha: o filme só podia ser feito se falasse a verdade.O seu espírito livre acompanha-o desde criança, já vem daí?Isso já vinha de criança. Eu era oprimido pelo meu pai, mas isso já vinha. Comecei a fazer teatro escondido dele, desenhava escondido também. Fazer coisas escondido era normal para mim.A sua ligação com Portugal foi sempre especial? Sim, mas vou-te contar uma história. Quando era criança, tinha uma vizinha que cantava muito o “Barco negro” [de Amália Rodrigues] e aquela música ficou na minha cabeça, ficou sempre. E quando gravei o meu primeiro disco a solo, um amigo sugeriu incluir músicas portuguesas e escolhi o “Barco negro”. Mas a reação foi complicada, até porque a música era no feminino e eu ousei cantar no feminino, tive críticas muito más… Mas isso já foi há muito tempo, e eu continuo aqui…
O público acarinhou-o sempre?
Sim, o meu público é maravilhoso, acarinha-me desde sempre, permite-me tudo!Nesta digressão do Bloco na Rua, está a introduzir canções que há muito não tocava. Por quê?Sim, estou. Preciso variar, até por mim, para não ficar achando repetitivo, porque há anos que o faço. Estou a trocar algumas músicas para manter tudo atraente para o público e para mim também. Mas depois, “Balada do louco” ou “Homem com H” são músicas de que gosto muito e já não as cantava há muito tempo.
Faz 84 anos no dia 1 de agosto: parar é uma opção que considera?
Não! Não pretendo parar! Eu só vou parar quando for impedido! [risos]