Nasceu a 14 de julho de 1918, na cidade sueca de Uppsala. Faleceu em 2007, aos 89 anos, na ilha de Farö, onde se instalara, rodara alguns dos seus filmes e a sua casa se encontra aberta a estudantes, profissionais de cinema e cinéfilos em geral.
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Ingmar Bergam foi um dos raros realizadores de cinema que “obrigou” a que fosse criado um adjetivo para caracterizar as suas obras, algo a que só aspiraram outros autores, como Chaplin, Fellini ou Hitchcock.
Celebrando mais um aniversário, chegam às salas nada menos do que 31 das suas obras cinematográficas, uma boa parte do seu impressionante contributo artístico, que se estendeu ainda pelo meio teatral. A retrospetiva, composta por cópias restauradas digitalmente e que inclui quatro filmes completamente inéditos entre nós no circuito comercial, tem início hoje em Lisboa, no Cinema Medeia Nimas, e no Porto, no Teatro Campo Alegre, e estender-se-á depois a Coimbra, Braga, Setúbal e Figueira da Foz, entre outras cidades, em dois blocos distintos, um que agora se inicia, o outro que terá início a 8 de agosto.
Ingmar Bergman era filho de um pastor luterano. A questão mesma da fé, da existência de Deus, cruza toda a sua obra. Como outros temas recorrentes, tais como a incomunicabilidade entre os seres humanos ou as dificuldades das relações matrimoniais, algo que o realizador bem conhecia, dados os seus quatro casamentos e divórcios e as muitas relações com as suas atrizes, bem como os filhos fora do matrimónio.
Bergman era, apesar de tudo, ou por isso mesmo, um cineasta do universo feminino, que tanto tentou compreender e dar-nos a compreender, das questões da sexualidade, do prazer feminino numa sociedade castradora. E ainda, poucas vezes citado mas que agora poderemos também constatar, de uma atenção às questões sociais, sobretudo no início da sua carreira e com particular destaque para o sofrimento da Mulher.
Oriundo do teatro, com uma extraordinária capacidade de trabalho, Bergman aplicou também ao seu cinema alguns princípios fulcrais do seu trabalho de palco, nomeadamente o espírito de troupe. No caso das atrizes, são indissociáveis do seu universo, entre outras, fabulosas mulheres e intérpretes como Harriet Andersson, Ingrid Thulin, Bibi Andersson ou Liv Ullmann. No que diz respeito aos atores, não podemos falar de Bergman sem recordar as presenças, entre muitos outros, de Max von Sydow, Gunnar Bjornstrand ou Erland Josephson.
No mesmo sentido, a sua obra fílmica não seria seguramente a mesma sem a cumplicidade criativa com os diretores de fotografia Gunnar Fischer e Sven Nykvist e com os vários diretores artísticos, montadores e criadores de guarda-roupa com que foi trabalhando ao longo da sua vida.
Para melhor conhecer Bergman, além dos filmes, sugere-se a leitura dos seus diários, entre 1955 e 2001, publicados pela editora francesa Carlotta. São mais de um milhar de páginas, onde se percebe a busca pela perfeição ou o sofrimento de Bergman ao longos das várias versões dos seus guiões. Há ainda a sua autobiografia, “Lanterna Mágica”, publicada há anos entre nós e que se poderá procurar no circuito dos alfarrabistas.
Ainda, no próprio cinema, “Fanny e Alexandre” contém suficientes elementos autobiográficos para melhor se perceber o homem e a obra, enquanto “As Melhores Intenções”, de Bille August, com base num argumento do próprio Bergman, retrata a vida dos seus pais, na Suécia do início do século XX.
Ingmar Bergman cruzou ainda várias das sus paixões nos filmes que realizou. O teatro, em “Depois do Ensaio”, a ópera, no luminoso “A Flauta Mágica”, o circo em “Noite de Circo”. Considerado demasiado denso por algum público, ganhava-o desde logo pela forma profunda como entrava na mente do espetador, trazendo-o para as suas histórias. E sim, tinha sentido de humor, fez várias comédias, como “O Olho do Diabo” ou “A Força do Sexo Fraco”.
Preso a um regime tributário extremamente exigente, saiu da Suécia durante um certo período, assinando “O Ovo da Serpente” e “Da Vida das Marionetas” na então Alemanha Ocidental. No entanto, a par dos ABBA, Ingmar Bergman foi e continua a ser um dos grandes valores exportáveis daquele país escandinavo.
Serão no entanto obras capitais como “Morangos Silvestres” ou “O Sétimo Selo”, “A Máscara” ou “Lágrimas e Suspiros”, “O Silêncio” ou “Cenas da Vida Conjugal”, também vertido em série televisiva, que deixam a sua marca única na história do cinema e da cultura mundial do século XX.
O ciclo começa hoje, no Porto e em Lisboa. No Teatro Campo Alegre é exibido às 15h30 “A Hora do Lobo” – entre a meia-noite a madrugada -, quando um artista em crise é assombrado pelos fantasmas do seu passado.
Às 17h30 segue-se “Mónica e o Desejo” – se é permitida uma nota pessoal ao autor destas linhas, a razão pela qual a filha se chama Mónica! Ainda em fase quase embrionária da sua carreira cinematográfica, Bergman oferece a Harriet Andersson uma das personagens que irradia mais erotismo na sua obra, seduzindo um jovem a deixar tudo para trás para ficar com ela.
Ainda no Porto, às 21h30 poderá ver-se “Lágrimas e Suspiros”, uma das obras mais belas e dolorosas de Bergman, com a visita de duas mulheres à irmã que está a morrer e a famosa “Pietà” com a sua ama. Uma obra-prima absoluta, um daqueles filmes para os quais o cinema foi inventado.
Entretanto, Lisboa já vira “Lágrimas e Suspiros” às 13h00, no Cinema Medeia Nimas, e verá às 21h30 “A Hora do Lobo”. Entretanto, às 17h30, terá já direito a “O Sétimo Selo”, aquele do jogo de xadrez entre a Morte e o cavaleiro que volta a casa vindo das Cruzadas, uma das cenas mais icónicas de toda a história do cinema e uma das “viagens” de Bergman ao mundo medieval, que inclui ainda “A Fonte da Virgem”.
Outros destaques no Teatro Campo Alegre: “Cidade Portuária”, de 1948, um dos seus primeiros filmes e um dos quatro inéditos de toda a retrospetiva (segunda 15, às 21h30), “A Máscara”, obra de 1966 mas que ganha a cada dia que passa ainda mais modernidade, sobre a transferência de personalidades entre uma atriz de teatro que decide deixar de falar e a enfermeira que vai tratar dela para uma praia isolada (quarta 17, às
21h30), ou “A Sede”, outros dos seus inéditos em sala, realizado em 1949, sobre a degradação de uma relação matrimonial (sábado 20, às 15h30).
“Mulheres Que Esperam”, revisitação do universo feminino datado de 1952 e “Depois do Ensaio”, obra rodada já na parte final da sua obra, sobre o mundo teatro, os dois outros inéditos, ficam reservados para a segunda parte da mostra. Outros filmes que fazem parte do imaginário coletivo cinematográfico como “Morangos Silvestres” ou “Sorrisos de uma Noite de Verão”, que trouxeram glória e renome internacional a Bergman, “A Paixão” e “A Vergonha”, ou “Sonata de Outono”, onde se reuniu com Ingrid Bergman, com quem não tinha nenhuma laço familiar, não faltam nesta mostra absolutamente imperdível, um dos grandes acontecimentos culturais deste verão e que se estente ao início da próxima temporada.