Nova temporada do Batalha Centro de Cinema: quando o telefone toca e David Bowie responde
Entre o som de um telefone analógico a tilintar num quarto vazio e a voz de David Bowie a ecoar no espaço sideral, a nova temporada do Batalha Centro de Cinema, no Porto, convida-nos a cruzar fios, eras e imaginários.
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A partir de 6 de setembro, a sala renova-se com uma programação que liga o passado e o futuro do cinema com a subtileza de quem sabe ouvir. O ciclo “Quando o Telefone Toca” e a retrospetiva “David Bowie, Uma Odisseia” são dois dos fios condutores desta temporada outonal, que se estende até dezembro com propostas que tocam a tecnologia, a música, a memória e a identidade.
O ponto de partida não poderia ser mais simbólico: "E.T".: The Extra-Terrestrial (1982), de Steven Spielberg, é o filme escolhido para abrir o ciclo dedicado às ligações (in)esperadas que se fazem através de aparelhos telefónicos — da campainha insistente ao toque vibrante dos dias de hoje. “Quando o Telefone Toca”, que decorre até 25 de outubro, reúne obras que colocam o telefone como protagonista silencioso e veículo de tensão narrativa. Entre os destaques, estão "Scream" (1996), de Wes Craven, e filmes de cineastas como Marguerite Duras ou Radu Jude, numa seleção que revela como a tecnologia molda tanto o conteúdo como a forma do cinema.
A partir de 3 de outubro, o Batalha entra em modo constelação com “David Bowie, Uma Odisseia”. A retrospetiva não se limita a revisitar o camaleónico percurso do músico britânico no grande ecrã, mas amplia-se aos seus satélites: filmes que o marcaram, cinema de artista e obras que absorvem o seu imaginário. "The Man Who Fell to Earth" (1976), de Nicolas Roeg, é aqui uma estrela-guia, tal como Christiane F. (1981), que mergulha na pulsação de Berlim e no lado mais sombrio da adolescência, ao som da fase berlinense de Bowie. Este programa culmina a 10 de janeiro, no décimo aniversário da morte do artista, num gesto de tributo fílmico que procura mais do que biografar — deseja reimaginar.
Mas há mais ecos a ressoar pelas salas do Batalha. A partir de 16 de novembro, a retrospetiva dedicada à realizadora chilena Dominga Sotomayor oferece uma imersão num cinema sensível ao tempo e à luz. Com todas as suas longas-metragens, curtas e uma masterclass, este ciclo sublinha uma das vozes mais delicadas da América do Sul contemporânea. A 29 de outubro, o foco desloca-se para Mónica de Miranda, artista visual e cineasta cuja prática atravessa geografias e memórias. A sessão inclui filmes, conversa e o lançamento da publicação sobre a exposição Profundidade de Campo, onde arte e identidade se entrelaçam com o rigor da investigação e a poética da imagem.
O cinema português também marca presença com o programa Luas Novas, que destaca novas vozes: Maria Inês Gonçalves, premiada em Roterdão, e Alice dos Reis, distinguida com o Prémio Novos Artistas da Fundação EDP. A atenção à escuta — literal e metafórica — é reforçada com Câmara Sónica, que acolhe o canadiano Joshua Bonnetta, artista cujo trabalho dilui fronteiras entre som e imagem. Em setembro, celebra-se ainda a obra de Cláudia Varejão com o lançamento de um livro monográfico. Joana Gama assinala o momento com uma performance inspirada em "Kora", última curta da realizadora. O evento junta música e imagem em tempo real, numa composição criada especialmente para o Batalha.
A cidade também se projeta para além do ecrã com Vai e Vem (a partir de 27 de setembro), iniciativa que convida a percorrer os arredores da Praça da Batalha, em sessões de cinema espalhadas por lojas, associações e cafés. A poesia entra em cena na exposição Sobre um filme, sobre um poema (6 de setembro a 29 de novembro), onde dez poetas respondem a filmes com palavras novas — mais um gesto de atravessar linguagens, suportes e sensibilidades. Entre cursos, ciclos e exposições, o Batalha desenha uma temporada que é também uma coreografia de referências e afetos. Em Fanfare 2025, Priscila Fernandes reinventa um clássico holandês para questionar, com humor e música, os laços entre ecologia e rivalidade comunitária. E em dezembro, Ben Rivers estreia Mare’s Nest, um filme e uma exposição que traduzem o caos e a harmonia do presente, entre a contemplação e o absurdo.
A programação completa, com datas e horários, estará disponível no site do Batalha a partir de 12 de agosto. Os bilhetes online estarão à venda nesse mesmo dia. A bilheteira física abre a 30 de agosto. Até lá, talvez o telefone toque — e a voz do outro lado seja a de Bowie, vinda de Marte.