Filmes de três realizadores pouco divulgados passam no Trindade.
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O cinema japonês, um dos mais ricos do mundo, é como um daqueles baús recheados de surpresas que se descobrem em casa dos avós e há muito não eram abertos. Do período clássico, relevam-se normalmente os que se apelidam de três grandes, Kenji Mizoguchi, Yasuiro Ozu e Akira Kurosawa, a que se junta por vezes, por parte dos mais avisados, um quarto “mosqueteiro”, ou melhor, neste caso, um quarto “samurai”.
Nagisa Oshima e Shohei Imamura representariam uma geração de charneira, antes de se chegar a nomes mais recentes como os de Naomi Kawase, Kiyoshi Kurosawa, Takeshi Kitano ou Hirokazu Koreeda. Os amantes do género fantástico não se esquecerão de Takashi Miike e os da animação de Katsuhiro Otomo.
Ora, um dos livros mais desejados pelos cinéfilos em busca de uma visão mais profunda do cinema nipónico, da autoria de um dos seus grandes especialistas, o francês Pascal-Alex Vincent, intitula-se, numa tradução literal, “Dicionário do Cinema Japonês em 101 Cineastas”. E reporta-se, apenas, ao período que considera de Idade de Ouro, entre 1935 e 1975!
Pode imaginar-se, pois, a importância capital do trabalho que tem vindo a ser feito pela distribuidora The Stone and the Plot, com vários ciclos de Cineastas Japoneses Desconhecidos, incluindo três filmes de autores diferentes a estrear em sala de cinema. Eventos da maior importância cultural, que se juntam a outras atividades relacionadas com o tema que a companhia organizou, como a edição em português do livro de Donald Richie sobre Ozu.
O quarto ciclo de Cineastas Japoneses Desconhecidos está a chegar a vários pontos do país, mas começa com uma série de projeções, no Cinema Trindade, acompanhadas de debates.
Para começar, já amanhã, segunda dia 13, pelas 19.30 horas, será exibido “Imagem de uma Mãe”, de Hiroshi Shimizu, seguida de uma conversa entre Dário Oliveira, diretor artístico do Porto/Post/Doc, e Miguel Patrício, um dos nossos maiores especialistas em cinema japonês e que tem estado associado a estas iniciativas desde o seu início.
Não é demais salientar a importância histórica desta sessão. Hiroshi Shimizu nasceu no mesmo ano de Yasujiro Ozu, em 1903, e sobreviveu-lhe apenas três anos, tendo falecido em 1966. Esta referência não é ingénua, visto que para o autor de “Viagem a Tóquio”, Shimizu era o maior de todos. Com uma obra que se inicia ainda no período mudo, como Ozu, Shimizu fez mais de centena e meia de filmes, e “Imagem de uma Mãe” é a sua derradeira obra, datada de 1959.
Para os mais atentos a estes ciclos de cineastas japoneses desconhecidos, o nome de Shimizu não é uma novidade, já que dele viramos anteriormente o sublime “O Som do Nevoeiro”. Num tom melodramático, que domina na perfeição desde a primeira imagem, o mestre japonês relata-nos agora o drama de um garoto que perdeu a mãe e se vê confrontado com a nova mulher do seu pai.
No dia seguinte, terça-feira 14, Miguel Patrício estará agora acompanhado da realizadora Melanie Pereira, para conversar sobre “Roída Até ao Osso”, deTai Katô, exibido também às 19h30. Tai Katô (1916-1985) foi assistente de realização de Akira Kurosawa no mítico “Rashomon”, iniciando pouco depois, no início dos anos de 1950, uma carreira de realizador com mais de quatro dezenas de títulos.
Estreado em 1966, “Roída Até ao Osso” é um filme de época, passa-se em 1900 e acompanha o percurso de uma jovem de 18 anos que é vendida para um bordel, para ajudar financeiramente a família…
Este ciclo de ante-estreias no Porto termina na quarta-feira 15, sempre à mesma hora, com a exibição de “Yôko, a Delinquente”, de Yasuo Furubata, seguida de um debate onde Miguel Patrício estará desta vez acompanhado pelo professor de cultura japonesa contemporânea, David Pinho Barros.
Yasuo Furubata (1934-2019) assinou seis dezenas de obras, para cinema e televisão, estreando-se em 1966 precisamente com o filme que esta mostra nos propõe. Estamos pois num período diverso e a história do filme, sendo-lhe contemporânea, é um retrato de uma geração que vivia no bairro de Shinjuku, em Tóquio, os excessos de uma adolescência com dificuldade em assumir a idade adulta.
A partir do dia 30 deste mês, os três filmes poderão ser vistos em estreia em Lisboa, Porto, Coimbra, Viseu, Faro e Almada. No último dia do mês, em Lisboa, Miguel Patrício estará à conversa com o francês Clément Rauger, um dos maiores programadores de cinema japonês a nível mundial, a seguir a uma projeção da obra-prima “Imagem de uma Mãe”.