Nuno Artur Silva: “Para quem fazia humor sobre política, tornar-me político virou a 180º”
“Onde é que eu ia?”, espetáculo de stand up do escritor e ex-secretário de Estado, acontece uma última vez em Lisboa este sábado (no Tivoli BBVA), para chegar ao Porto a 1 de dezembro. Ao JN, Artur Silva fala dos limites do humor, do Canal Q, da RTP, da luta dos argumentistas e de quem o inspirou, como Herman José.
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Foram 20 espetáculos esgotados na capital, mas chegou a altura de partir: Nuno Artur Silva e o seu stand up ‘Onde é que eu ia?” despedem-se de Lisboa este sábado, com uma versão revista e atualizada marcada para as 21 horas, no Teatro Tivoli BBVA. Ao Porto, o solo do antigo secretário de Estado e ex-administrador da RTP chega a 1 de dezembro, no Teatro Sá da Bandeira.
Em “Onde é que eu ia?”, o fundador das Produções Fictícias mostra ao público uma suma do resultado das suas anotações e visões de vida, num percurso onde o lado pessoal e o profissional se foram sempre cruzando – sendo que o profissional já passou pela televisão pública, pelo governo em período pandémico, pelo Canal Q e Produções Fictícias que fundou e por várias produções televisivas.
Em palco, neste “solo acompanhado, como a vida”, está consigo António Jorge Gonçalves, desenhador que ilustra em tempo real os episódios do também escritor e argumentista, criando em cena um diálogo artístico entre o desenho e o monólogo.
O espetáculo vem com uma bagagem: em 2019, Artur Silva teve de cancelar um solo devido ao convite que recebeu para as funções de Secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Média. No passado acontecera uma situação semelhante, quando foi convidado para RTP, o que explica o nome e o tema. A entrevista do escritor, guionista, produtor e apresentador ao JN.
O espetáculo chama-se “Onde é que eu ia” porque está sempre a ser interrompido?
Sim. Esta é uma expressão que usamos muito na nossa vida do dia-a-dia, na nossa vida quotidiana quando somos interrompidos, o que acontece comigo muitas vezes. Aqui tem um sentido até mais amplo pois surge devido às grandes interrupções que eu tive naquilo que era o meu percurso habitual como autor, criador da área criativa, nomeadamente quando fui desafiado para uma coisa diferente. No regresso esta era a pergunta quase filosófica que eu fazia: Onde é que eu ia? E, portanto, a expressão aqui no espetáculo tem esse sentido mais amplo.
Sobre que temas versa maioritariamente? O seu percurso profissional, sobretudo, da RTP ao governo e de volta indiretamente (com essa pasta, no governo) à RTP?
Não só. É sobre o que me aconteceu nos últimos anos e sobre eu ter assumido uma série de papéis a nível profissional que nunca me imaginei a fazer. Mas o espetáculo não é uma coisa sobre mim, mas sim sobre o olhar que eu tive desses lugares por onde passei e sobre as particularidades do que nos foi acontecendo nos últimos anos: a nós portugueses, cidadãos do mundo durante a pandemia e também a maneira como nesses lugares o meu olhar ia tendo uma perspetiva diferente sobre as coisas. O espetáculo é uma reflexão humorística sobre essas minhas últimas ‘desventuras’/aventuras e esses pontos de vista. De facto, para uma pessoa que trabalhava na área do humor como eu, e que fazia, por exemplo, humor sobre política, eu próprio ter-me tornado num político virou 180º essa perspetiva. Ou, eu ser um autor, que é uma maioritariamente uma pessoa mais solitária e que trabalha com uma perspetiva mais livre sobre as coisas e de repente ser administrador de uma empresa pública, traz uma outra visão completamente diferente. Portanto é sobre isso que eu falo no espetáculo sobre os vários olhares e vários chapéus que fui tendo e procuro ver qual é o lado cómico disso.
Fala-se tanto ultimamente dos limites (ou não) do humor; para si, inclusive como ex-governante, sente que eles existem? Impõe-os?
Já é um clássico essa pergunta sobre os limites do humor e a resposta também. Aliás, eu já a tenho na ponta da língua: não deve haver limites para o humor, como não deve haver limites para a opinião ou para a criação. Os autores/criadores/humoristas é que definem os seus próprios limites e não outras pessoas. Portanto, os limites são aqueles que o próprio define. Neste caso, os limites que eu tenho, tendo passado por estas experiências, são mais os do bom senso e da educação. Procuro assim fazer humor com as coisas sem extravasar as questões mais pessoais, sem revelar o que não é suposto serem reveladas. Não vou revelar segredos do Governo, mas vou revelar algumas das coisas que me passaram pela cabeça quando estava em funções. Ou algumas das coisas que me passaram pela cabeça quando estava numa função institucional, onde supostamente temos de manter uma determina postura institucional. Mas não controlamos de facto o que nos vai passando pela cabeça e este é um espetáculo onde se calhar eu posso revelar esses pensamentos.
Mas qual a sua opinião sobre até que ponto deve haver temas, ou maneiras de os endereçar, a evitar e porquê; ou se, sendo humor, tal não se coloca?
Tal como não se impõem limites à opinião ou à criação, com o humor é a mesma coisa. O humor é um exercício de opinião e criação, portanto não deve, à partida, ter limite de temas. Tal como podemos escrever sobre tudo, podemos inventar e criar sobre tudo. Inclusivamente, mesmo sobre temas mais dolorosos, ou trágicos…não deve haver limites. Mas é o próprio artista que a cada circunstância tem de definir se quer ou não falar sobre um tema. E, em função do que o artista define, depois as consequências são as que daí advêm e são muitas vezes incontroláveis. Agora os limites não podem ser definidos por outros que não o próprio.
Li que escrevinha normalmente num bloco o que vê e vive e parte dai; vê humor em tudo na vida, o humor é uma maneira de ver a própria vida?
É uma coisa que eu tenho desde sempre. Desde que me lembro de saber escrever que ando sempre com um bloco de notas. Como eu escrevo coisas diferentes, para diferentes sítios, acabo por escrever no tal bloco ideias para histórias, pequenas frases que podiam ser quase princípios de poemas, observações, notas e, também pelo meio disso tudo, coisas que me parecem cómicas. Portanto o humor é uma parte das coisas que eu vou anotando. De facto, este espetáculo nasceu de muitas coisas que eu anotei em bloco e foi construído a partir de todas essas notas. À margem dos blocos oficiais que eu tinha, tanto enquanto Secretário de Estado e enquanto Administrador da RTP, tinha um bloco mais pessoal, no qual anotava coisas que eu achava cómicas das reuniões, por exemplo.
Como é que nasceu afinal a sua ligação ou paixão pelo humor e pelo stand-up? Com que idade, em que contexto?
Pelo humor a ligação surgiu muito cedo. Eu lembro-me de ver na televisão os programas cómicos, principalmente na RTP, que na altura era a única estação televisiva e tinha uma programação nacional e internacional. As primeiras coisas cómicas que eu vi, e como é normal num miúdo, foram os desenhos animados, particularmente os desenhos animados da Warner, que tinham aquele humor desbragado, violento até, muito extremado. Eu também lia muita banda desenhada e terei sido muito influenciado pelas coisas de humor, em particular por aquelas que eram escritas pelo René Goscinny, como o Astérix e Obélix ou Lucky Luke, por exemplo. Mas não só. Recordo os Cartoons do Quino, da ‘Mafalda’, ente outros, e terá sido por aí que eu comecei a ver humor.
Na rádio lembro-me de ouvir os ‘Parodiantes de Lisboa’, por exemplo. O ‘Patilhas e Ventoinha’, que eu gostava especialmente, e lembro-me de ver os programas na televisão do Nicolau Breyner. Depois há um momento que eu me lembro e que foi absolutamente revolucionário: foi quando vi pela primeira vez o ‘Flying Circus’, dos Monty Python's (na versão portuguesa, ‘Os Malucos do Circo”), que passou na RTP pela primeira vez em 1975. Para mim e para os meus colegas do Liceu Pedro Nunes fez mesmo um ‘uau’ na nossa cabeça.
O outro momento revolucionário foi uma revolução feita por um português, em 1983, e coincidentemente estamos agora a celebrar os 40 anos desse programa vanguardista: ‘O Tal Canal’, do Herman José. Foi nesse momento que pensei “uau, há um português que faz o que eu mais gostaria de fazer e aquilo que eu mais admiro”. E depois, foi isso também que me inspirou muito a escrever os meus próprios textos e sketches, que eu já ia fazendo na altura. Não havia internet, não havia canais cabo, a RTP era o único canal e não era fácil fazer chegar os textos à RTP. Assim, eu ia apresentando os textos ao vivo nos teatros que ia fazendo com os meus amigos e colegas do Liceu ou de Faculdade. E, portanto, é aí que nasce esta paixão.
A vontade de fazer stand up aparece um pouco mais tarde, porque também este estilo e este género não estava muito divulgado em Portugal. Mas a verdade é que eu praticamente comecei a minha carreira como autor de textos humorísticos, a escrever textos de stand up, mas nós chamávamos-lhes os textos de abertura. Como por exemplo, o primeiro convite que o Herman José me fez para escrever textos de abertura foi para o programa “Parabéns”. Portanto eu já escrevia textos de stand up, mas não tínhamos essa denominação.
Começou então como autor de sketches para o programa de Joaquim Letria, depois Herman, agora que tanto se fala nos guionistas e autores de skecthes, também a propósito da luta dos guionistas nos EUA, acha que esta é uma profissão subvalorizada, que muitos não entendem ou reconhecem?
Sim, em particular em Portugal. Acho que tem sido uma luta. Quando eu comecei a escrever era uma profissão que nem era profissão. Era, digamos, uma coisa que se fazia nos intervalos de outra profissão que pagava as contas. Ser argumentista era uma atividade que se fazia à margem de uma outra função profissional, normalmente à margem de ser jornalista, de ser professor.Como em Portugal não estava desenvolvida a indústria audiovisual – tivemos uma ditadura até muito tarde, e depois quando tivemos a democracia, as coisas também demoraram a desenvolver-se. Como nós temos um cinema muito dominado pela figura do realizador, e como na televisão praticamente o único género que havia de produção regular era a telenovela, não havia normalmente muito trabalho para os argumentistas. Nós encontrámo-lo fazendo humor e criando as Produções Fictícias, que foi a primeira empresa em Portugal onde um grupo de argumentistas se organizou profissionalmente. É muito difícil, tem sido e continua a ser muito difícil reconhecer o papel dos argumentistas em Portugal.
Nos Estados Unidos eles têm muita força e hoje, quando as séries ocupam o centro da produção audiovisual e tornaram-se o género mais importante (e eu diria até que substituíram de certa maneira o cinema como o género dominante de ficção audiovisual), o criador principal já é reconhecidamente o argumentista e isso em Portugal demora a ser reconhecido. Por cá os argumentistas ainda não reconhecidos nem do ponto de vista de lhes ser dado o devido estatuto e o poder que têm noutros sítios, como também a nível remuneratório.
Depois decidiu fundar as Produções Fictícias – como, com que objetivos?
A produtora surge precisamente para dar força à profissão dos escritores e dos argumentistas. Os objetivos passaram por desenvolver esta ideia de ‘escrever é escrever’, mas para vários géneros. Era um sítio onde os criadores se encontravam e procuravam criar condições para realizarem os seus trabalhos. Foi assim que foi fundada, há precisamente 30 anos, e foi assim que se desenvolveu. As Produções Fictícias não se cingiam apenas à escrita para televisão. A ideia era formarmos um conjunto de autores que podiam escrever tanto para televisão, cinema, ou teatro e, no fundo, desenvolver ideias para serem trabalhadas por outros artistas, atores, realizadores, produtores e músicos. Portanto, as Produções Fictícias acabaram por ser uma agência criativa, e creio que esta será a melhor definição.
Seguiu-se o Canal Q, considerado um pioneiro no setor do humor em Portugal; como explica o sucesso inicial e o abrandamento posterior desse sucesso?
Visto que éramos um grupo de argumentistas e depois tornámo-nos, em muitos casos, produtores dos nossos próprios trabalhos, faltava-nos ter uma forma de chegar diretamente às pessoas, sem estar à espera de decisões e aprovações dos Diretores de Programas. O Canal Q concretizou essa possibilidade ainda que com orçamentos baixos. Foi no Canal Q que tivemos a possibilidade de criar uma espécie de laboratório ou se quisermos, de bloco de notas digital.
No fundo, o Canal Q era visto como um sítio onde nós podíamos ir experimentando ideias, rascunhos, coisas que às vezes não estavam muito acabadas do ponto de vista da qualidade e rigor, mas que em vez disso traziam uma energia, uma vitalidade e uma inovação que compensava a falar do outro lado. Reconheço também que o canal também foi uma rampa de lançamento para muitos profissionais, assumindo-se como um local de oportunidades, onde efetivamente se estreou uma quantidade de gente. Muitas das pessoas que hoje estão noutros meios, canais e televisões estrearam-se na antena do Canal Q.
Para o Canal Q continuar ou crescer era preciso uma parceria. Nós ensaiámos essa parceria e tivemos à nossa frente uma proposta que teria sido o salto que o canal precisava para se profissionalizar e para se expandir. Era uma parceria com uma grande produtora internacional, no caso era a HBO. Quando tínhamos tudo combinado, a troika entrou em Portugal e o investimento parou e, portanto, perdemos essa possibilidade de dar esse salto. Assim, o canal Q continuou a ser um laboratório nacional de novos valores e novas ideias.
Passou pela administração da RTP e pela Secretaria de Estado do Cinema, Audiovisual e Média: qual foi mais desafiante?
Desafiante foram os dois. Agora as circunstâncias é que foram muito diferentes. A Secretaria de Estado do Cinema, Audiovisual e Média era uma grande oportunidade e um grande desafio, porque pela primeira vez podíamos trabalhar de forma integrada e estrutural um conjunto de setores que normalmente estavam desligados entre si. Era assim uma oportunidade de trabalhar tudo em conjunto e era realmente um desafio muito grande. Havia efetivamente um plano, que desenvolvemos e que julgo que nos entusiasmava a todos dentro do Governo. Só que três meses depois de termos entrado em funções, começou a pandemia. E, portanto, todos os planos foram por “pandemia abaixo”. Com a pandemia passámos que ter uma política reativa face a uma situação e não foi possível fazer a reforma e a mudança que tínhamos pensado fazer.
Quando a pandemia se estava a dissipar, o Governo caiu. Portanto, desse ponto de vista, foi uma experiência frustrante. Apesar de tudo e, sobretudo aquilo que conseguimos fazer, foi a transposição da diretiva audiovisual europeia, que acho que ainda conseguimos fazer e com bom resultado, e também a aplicação dos dinheiros do PRR para a digitalização de todo o cinema português, bem como a compra de 150 projetores digitais para todos os cine-teatros do país. Em perspetiva, acho que, apesar de tudo, foi muito positivo e oque deixámos fica estrutural para o futuro.
Na RTP o desafio também era muito grande, mas aí sim conseguimos concretizar o que tínhamos pensado fazer. Destaco a visão que sempre tivemos na RTP – não é uma estação televisiva que se posiciona ao lado das estações privadas, mas pelo contrário, uma estação que existe para fazer o que o mercado não faz. Isto é, promover diversidade. Numa frase, a RTP tem de promover a diversidade. E, em vez de ser o canal 1 e depois tudo o resto à volta, a RTP deve ser cada vez mais uma plataforma de canais – RTP PLAY, RTP Arquivos (que é a memória não só da televisão, mas também da rádio).
A RTP deve posicionar-se como grande dinamizadora e divulgadora de produções e coproduções de todo o setor de cinema em audiovisual em Portugal. E aquilo que nós fizemos, e que me parece que deixou raízes, foi, desde logo o desenvolvimento de uma indústria de séries, substituindo a produção de telenovelas (que deixámos de produzir na altura) –- a ideia era pelo menos produzir oito séries por ano e, sobretudo, incentivar as coproduções. Há outros projetos que destaco como como a abertura e digitalização dos arquivos ou a remodelação do Festival da Canção, trazendo os melhores músicos pop portugueses ao palco do festival.
Para além do referido, destaco outras ambições que saltaram do plano para a realidade como a dinamização do RTP LAB, a renovação de canais como a RTP3 ou RTP Memória e ainda a rádio Antena 3. Foi muito estimulante o desafio da RTP e julgo que com resultados.
Como avalia – e eventualmente explica- o boom e o fenómeno do stand up em Portugal, que está agora mais ativo, com mais humoristas e espetáculos do que nunca?
Demorou mas aconteceu. Porque em Portugal tudo demorou sempre muito tempo, devido às várias circunstâncias. A indústria audiovisual e tudo o que está organizado com ela teve durante muitos anos muito rigidamente presa. Por exemplo, demorou muito tempo até termos canais privados, não desenvolvemos canais cabo com a diversidade que devíamos ter desenvolvido e com a produção nacional que deveria ter existido. Foi preciso chegar a internet para, tal como os músicos, os humoristas, poderem pôr os seus conteúdos online sem estarem à espera de que os Diretores de Programas os aprovassem.
A verdade é que já existia stand up, mas não estava muito divulgada e havia pouca apetência por parte das televisões para a desenvolver. Apenas os canais cabo como a SIC Radical ou o Canal Q é que davam espaço aos novos humoristas, que iam fazendo à margem os espetáculos de stand up ao vivo. Foi preciso haver um programa na televisão generalista, que foi o “Levanta-te e Ri”, que amplificou a área. Mas, o que verificamos hoje em dia, e que me parece muito bem, é que os jovens humoristas já não precisam da televisão para encherem as salas. Já fazem os seus próprios circuitos online que depois divulgam a sua atividade ao vivo. Portanto, há esse boom. Há muita gente a fazer stand up e começa a haver qualidade. Eu acho que estamos num ponto ainda onde temos mais quantidade que qualidade, mas eu acho que ela virá. E vem essa diversidade. Por enquanto acho que os stand up comedians ainda estão todos a falar das mesmas coisas e sobretudo, das mesmas coisas das mesmas maneiras. No entanto, é importante reconhecer que estamos melhor do que já estivemos, isto é, melhor do que nunca, e acredito que ainda vão surgir propostas mais originais – que não precisam da televisão para serem divulgadas.
Como é estar em palco sozinho, num monólogo, com a responsabilidade de fazer rir? Há nervos?
Eu não estou sozinho porque tenho comigo o António Jorge Gonçalves, que é meu amigo e parceiro.
Como eu digo, este é um solo acompanhado e que é como a vida muitas vezes. Eu nunca penso que estou a fazer um espetáculo de stand up. Eu sou professor, por isso penso muitas vezes que o que faço em palco é como dar uma aula, fazer uma conferência. No fundo é como se estivesse a fazer uma conferência sobre o que me aconteceu nos últimos anos. E se eu pensar assim, sinto menos responsabilidade de fazer rir. Deste modo vejo-me menos como um comediante que tem de fazer rir e mais como uma pessoa que está a falar de algo que aconteceu com um certo ponto de vista. Não me sinto muito nervoso porque estou muito habituado a falar em público. Aquilo que me preocupa é, no fundo, dominar o que são os tempos da comédia, as pausas e a maneira como se entrega os textos. À medida que vou fazendo espetáculos vou tirando prazer da relação com o público, porque sinto logo se vão rir aqui ou ali e isso tem-me dado muito gozo, perceber os ritmos de cada plateia, de cada audiência.
E como funciona, em palco, a dinâmica com o António Jorge Gonçalves?
Funciona otimamente. Já nos conhecemos há muitos anos. Aliás, é curioso porque eu não vejo o que ele faz pois estou de costas para os desenhos. Para dizer a verdade eu nunca vi o espetáculo completo e acho que o António Jorge Gonçalves também não porque está demasiado concentrado nos seus desenhos. A dinâmica funciona como um velho casal criativo, que já se conhece, já antecipa e já sabe o que o outro vai fazer e dizer. Há aqui uma grande cumplicidade artística e pessoal e, portanto, funciona maravilhosamente.