
Nuno Júdice selecionou os textos mais significativos da sua vasta obra poética
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Antologia pessoal de Nuno Júdice, recentemente editada pelas Publicações D. Quixote, assinala os seus 50 anos de criação poética.
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Meio século depois da estreia, Nuno Júdice continua a erguer, livro após livro, a sua própria "noção de poema", título, aliás, da sua primeira obra. Embora nela sempre se tenham manifestado influências diversas, a começar pela forte herança romântica e simbolista, esta é uma poesia cuja principal marca distintiva talvez seja mesmo o pessoalíssimo tom que o autor de "O coro da desordem" sempre impregnou nos seus escritos, para o qual tanto conflui a dimensão reflexiva como a busca de comunhão com o outro.
Ao escolher, como forma de assinalar os 50 anos decorridos sobre a publicação do primeiro livro, os poemas que lhe são afetivamente mais próximos, Júdice enfatizou o sentido de permanência que percorre estes textos.
Separados por décadas, muitos dos poemas incluídos no livro denotam, todavia, um diálogo interior ininterrupto, no que constitui apenas um sinal mais da inabalável coerência deste projeto literário iniciado quando tinha apenas 23 anos e que se tem desdobrado ainda por géneros como a ficção ou o ensaio.
É sintomático que o único poema inédito, "Retrato de memória", condense muitas das preocupações mais evidentes do autor, como o tempo ("uma espera feita de eternidade e de efémero") e a busca da plenitude, seja no contacto com o ser amado ou na fusão com o meio envolvente.
Esses evidentes pontos de contacto que existem não fazem dos 40 livros de poesia que publicou simples variações de pormenor ou uma repetição exaustiva de modelos e fórmulas. Ao convocar habilmente para os seus escritos elementos ou referências pertencentes ao campo da arte ou da filosofia, entre tantas outras áreas, Júdice demonstra que até mesmo o mais glosado de todos os temas, o inescapável amor, pode ser ainda território fértil para a criação poética.
As mil e uma matizes associadas ao enamoramento dão origem a um conjunto de poemas, através dos quais constatamos também o modo como a escrita do poeta foi ficando, ao longo dos anos, cada vez mais depurada e menos discursiva.
A memória ao serviço do poema coloca-nos amiúde em confronto com "o mistério da beleza" que se manifesta sob as mais variadas formas, como "quando o sol saiu de trás de uma nuvem e lhe deu o brilho inesperado no meio da mais cinzenta das manhãs".
