Paco Roca e o jornalista Rodrigo Terrasa evocam em "O abismo do esquecimento" a exumação dos 190 corpos da vala 126, uma das muitas que os franquistas criaram no pós-guerra civil de Espanha.
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A memória tem sido uma temática recorrentes na obra de Paco Roca que, felizmente, está praticamente toda editada em Portugal. Seja nas questões relacionadas com a sua perda devido à doença de Alzheimer ("Rugas"), seja no peso das memórias familiares ("A casa", "Regresso ao éden"), seja na forma como encara as consequências da Guerra Civil espanhola ("Os trilhos do acaso"), que repete no mais recente "O abismo do esquecimento".
Nele, Roca, em parceria com o jornalista Rodrigo Terrasa, recupera as histórias de José Celda, vítima das represálias franquistas, e de Leoncio Badia, obrigado a trabalhar como coveiro por ser republicano, que colocou o corpo daquele com mais 189, numa das muitas valas comuns criadas pelos "vencedores" no pós-Guerra Civil. E que retirou deles madeixas, pedaços de roupa e outras lembranças para, de alguma forma, atenuar o sofrimento dos familiares.
Como protagonista, surge também Pepica Celda, filha de José, que lutou toda a vida para recuperar os restos mortais do seu pai e dar-lhes um fim digno, como reflexo de uma cultura, a espanhola que, como a portuguesa, tem um profundo culto dos mortos, para muitos cada vez mais incompreensível, embora o esquecimento seja "o abismo que separa a vida da morte".
Esta obra evoca o horror da guerra, a bestialidade das represálias por parte dos vencedores, feitas de vinganças mesquinhas, assassinatos por ideologia diferente e revanchismo por abuso de poder. E evoca também os absurdos da burocracia para proceder às exumações, já em democracia, ao sabor da cor dos partidos no poder.
É um relato que transpira História, a grande que vem nas páginas dos manuais, mas também a pequena, dos participantes involuntários que levaram a cabo a outra ou foram vítimas anónimas dela.
E é, por tudo isto, um relato duro, tenso e difícil, mas também de uma imensa empatia, que não se exime de apontar culpas - "a democracia cimentou-se sobre o esquecimento" -, ou de assumir a defesa dos que não puderam abraçar os entes queridos "uma última vez".