“Zinema”, documentário do cineasta ucraniano Kornii Hrytsiuk, denuncia a propaganda dos filmes russos para denegrir a Ucrânia. Festival Fantasporto anuncia este sábado os premiados da sua 45.ª edição.
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Foi das fitas mais estimulantes - e interpeladoras - que passou no 45.º Fantasporto, que trouxe ao Batalha Centro de Cinema mais de cem filmes de 31 países e anuncia na noite deste sábado, na cerimónia de encerramento, os premiados nas diferentes competições. No domingo, o Batalha exibirá, nas duas salas, os eleitos do palamarés deste ano.
Estreado na secção Panorama & Premiére do Fantas, o documentário “Zinema”, do ucraniano Kornii Hrytsiuk, inédito em Portugal, explica o modo como o cinema produzido na Rússia foi “moldando” o terreno - como as barragens de artilharia - para a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, e também já antes, em agosto de 2014, com a anexação da Crimeia.
Não há novidade na utilização de meios audiovisuais como mecanismo de propaganda política e de justificação de atos de guerra, dos documentários que Leni Riefensthal realizou para o regime nazi aos inúmeros filmes de guerra americanos, como “Cercados” (2001), que glorificaram o poder militar dos EUA e as infinitas virtudes das suas ações. Mas não deixa de impressionar a forma como Vladimir Putin, presidente da Rússia desde 2000 e o líder há mais tempo no poder desde Josef Stalin, construiu, paulatinamente, uma narrativa anti-Ucrânia forjada em preconceitos e falsificações históricas através do cinema de massas.
Logo nos anos 1990, pouco depois da implosão da URSS e da independência da Ucrânia, tornaram-se recorrentes os filmes e séries financiados pelo Estado que retratavam os ucranianos como labregos incapazes de se governarem. Quanto às mulheres, eram sempre vistas pelos russos com particular charme: umas flausinas tontas e oferecidas.
Após a Revolução Laranja de 2004/05, em que se tornou clara a aproximação da Ucrânia ao Ocidente, as tintas carregaram-se: os ucranianos eram agora velhacos e vilões, abertamente hostis aos piedosos russos.
“Nunca vi nenhum nazi na Ucrânia”
O mito do nazismo larvar na Ucrânia é explorado há anos por Moscovo em blockbusters carregados de inverdades, como em “Match” (2012), que opera uma grosseira truncagem de factos históricos ocorridos na II Guerra Mundial.
“Os filmes russos estão cheios de nazis ucranianos, mas eu nunca vi nenhum”, diz o realizador. “Convém lembrar que morreram mais de seis milhões de ucranianos durante a invasão de Hitler”, diz Kornii Hrytsiuk.
Paralelamente ao libelo construído para acirrar um país contra o outro, “Zinema” dá conta do apoio da Sétima Arte à política externa do Kremlin nas últimas décadas.
As duas guerras na Chechénia, a invasão da Geórgia ou as intervenções na Síria e no Norte de África têm o comovente amparo de obras como “Purgatory”, “War”, “The forced march”, “August eight” ou “Sky”. Refira-se que algumas delas foram diretamente financiadas por Yevgeny Prigozhin, o antigo líder mercenário do Grupo Wagner. E que o Estado russo tem canalizado biliões de rublos para a sua propaganda no setor audiovisual.
“Zinema”, que está imbuído de verdade factual, denuncia o modo como o regime de Putin continua a fabricar a sua versão da história recente da Rússia, usando o cinema como um dos seus mísseis mais letais.
Dorminsky exalta portugueses
“Até agora, quase duplicou o número de espectadores do Fantas relativamente a 2024”. Foi a meio da semana que Mário Dorminsky, histórico diretor do festival há 45 anos, revelou este entusiasmo com a adesão do público. Os números finais estão ainda por apurar, mas o aumento de espectadores é garantido.
Outro aspeto destacado positivamente por Dorminsky foi a qualidade dos filmes portugueses que se apresentaram a concurso: “Chegaram 200, escolhemos dez. Hoje em dia é mais fácil produzir filmes, o que não significa que todos eles sejam cinema. Nestes dez há uma característica comum: a exploração do quotidiano de cada um dos realizadores”, disse o diretor do festival.