Na sexta-feira, em Algés, os franceses Justice, St Vincent ou os The Teskey Brothers protagonizaram momentos fortes, mas foi o irmão de Billie Eilish quem estrelou a noite.
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Acontece muitas vezes nos festivais, faz parte da sua magia; quando é nos ditos palcos secundários que acontecem os momentos mais fortes, os mais marcantes e inesquecíveis. Ou mais inesperados – não o caso presente, já que a estreia em Portugal do irmão de Billie Eilish, Finneas, já era à partida muito aguardada e antecipada. Mas podia ter corrido de qualquer forma, e correu de forma dificilmente superável para uma apresentação: na escala de competência e comunicação do artista, de conhecimento e adoração do público, foi uma surpresa além do previsto.
Eram 23.15 horas quando o californiano de 27 anos entrou em palco: com “Lotus eater”, do mais recente disco, lançado no outono do ano passado, intitulado “For crying out loud”. Toda a sequência inicial foi dedicada ao mais recente trabalho, ainda assim claramente já bem conhecido pelos fãs, que desde inicio acolheram o músico de forma calorosa, com muitos gritos na maioria femininos – não nos tínhamos apercebido de que havia aparentemente toda uma cena de adoração, mas a avaliar pelo som, cartazes à frente e pela reação a cada um dos seus movimentos ou meneios, parece que há.
E assim se seguiu, com “Sweet cherries” ou “What's it gonna take to break your heart”, cantada por todos em coro, como praticamente durante todo o espetáculo aconteceu.
“Está é a minha primeira vez aqui, estou a tentar ler todos os cartazes mas ainda me engano nas letras”, brincava antes de “Angel”, e mais tarde dizia estar a divertir-se muito, agradecia, introduzia “Mona Lisa, Mona Lisa”, com uma dedicatória à namorada, a atriz Claudia Sulewski.
A dado ponto, apresentou um tema de um disco que virá em setembro, de uma nova banda “que decidi criar com a minha amiga Ashe”: colaboradores de longa data, Finneas e a cantora Ashe serão os The Favors e antes de mostrar o seu single, “The little mess you made”, uma avaria nos teclados foi resolvida com humor pelo artista, que decidiu ocupar o tempo a ler e responder a cartazes. Já no final do tema, admitiu: “não acredito em quantos vocês são. Não acredito que faço isto como profissão, vir a um país onde nunca tinha ido, estar como entre amigos; obrigado por este dia e por deixarem ser esta a minha profissão”, declarou, cantando depois “Only in a lifetime” com boné de Portugal na cabeça e a bandeira nacional aos ombros.
Na reta final, tempo ainda para elogiar a artista que se seguia, St.Vincent, que declarou sempre ter admirado; e para ainda mais êxitos instantâneos, incluindo o tema-título do novo disco, entoado a milhares de vozes.
Finneas tornou-se conhecido como o irmão de Billie Eilish, o outro lado da magia criadora por detrás das muitas músicas de sucesso da artista norte-americana, que é, hoje, uma das maiores do mundo. Agora, ao vivo, um EP e dois discos a solo depois, percebe-se como está a trilhar o seu caminho- não sendo igual à irmã nem precisando de ser, até porque entre os dois corre talento e carisma para conceber dezenas de discos e para alimentar duas carreiras bem-sucedidas: a primeira já mais do que lançada e firmada, a segunda claramente a descolar.
Dia de dança no palco principal
No palco principal, depois da norueguesa Girl in Red e de um concerto competente e empenhado, mas com pouco brilho e parca adesão do público, dos Wombats – a substituir a muito antecipada estreia de Sam Fender, que cancelou há meros dias, por problemas na voz – a noite acabou por se dedicar às sonoridades mais eletrónicas: assim que o sol se pôs, a sequência Justice e Anyma transformou a zona da frente do recinto numa pista de dança para os fãs de disco e techno.
Anyma, o artista de música eletrónica, ítalo-americano de nome Matteo Milleri, fechou o segundo dia com o seu espetáculo pautado sobretudo pelos visuais marcantes, as imagens robóticas, as luzes, os detalhes cénicos. Em palco, vêm-se robots – ou serão humanos? – imagens que podem ser monstros ou só abstratas, jogos de luzes a simular túneis, é como um filme que tentamos acompanhar, uma clara aposta em explorar as fronteiras difusas entre a música e a imagem, o físico e o digital – mas com um som forte e alto por detrás. Num set de cerca de hora e meia, numa sonoridade maioritariamente techno ou house progressivo, as faixas incluíram “Hypnotized”, com Ellie Goulding, ou uma versão de “Blinding lights” de The Weekend.
Antes, o concerto de Justice veio com um aviso prévio: haveria luzes não indicadas para pessoas com fotofobia, ou epilepsia por ela induzida. Compreensível, já que o espetáculo do duo francês também assenta e muito, já o sabíamos, no jogo, ou na dança, constante e frenética de luzes, na famosa cruz gigante e iluminada, na maneira como as imagens e iluminações acompanham os sons – ou se cruzam com eles, ou os completam, como se de um outro instrumento ou de uma outra batida se tratassem.
Depois do cancelamento inesperado, no ano passado, do concerto no Primavera Sound Porto por problemas técnicos do palco onde iam atuar, Xavier de Rosnay e Gaspard Augé juntaram no NOS Alive talvez a maior massa de fãs de uma noite mais fria, com menos gente e um pouco mais dispersa; e trouxeram um alinhamento de sonho para os seguidores, com “Phantom”, “Generator”, “We are your friends”, “Safe and sound” ou duas passagens por “D.A.N.C.E”, uma delas em versão remix, sem esquecer temas do novo disco, “Hyperdrama”. Um som poderoso, uma base e batida que abana literalmente o recinto, a icónica dupla francesa de música eletrónica a não deixar créditos por mãos alheias.
A alma do blues de dois irmãos
No Palco Heineken, o dia teve outros momentos felizes, dos Mother Mother ao regresso a Portugal dos The Teskey Brothers: blues-bálsamo da Austrália, um dos concertos mais perfeitos deste ano até à data, zero surpresa para quem os tinha visto há dois anos no CCB.
Nascidos na Austrália, os The Teskey Brothers soam ao blues enraizado na cultura norte-americana e a uma geração musicalmente alimentada a Otis Redding, a Sam Cooke e a Percy Sledge, e é estes músicos que fazem por vezes lembrar.
Na verdade, os irmãos Josh e Sam cresceram a ouvir estes sons mas em Melbourne, com grupos locais, e conseguiram destacar-se quase sem o pedir: o séquito foi crescendo, os prémios também e os concertos levaram-nos a conhecer mundo.
Em palco, uma voz antiga e um feeling que só o soul e o blues têm, quando feitos com alma; como a do vocalista Josh Teskey, que canta de olhos semicerrados o tempo todo, a sentir, e como canta; e é com os olhos semicerrados que recebe ovações espontâneas de largos minutos, de uma multidão composta em parte por quem os conhecia, e muito por quem nunca deles tinha ouvido falar, mas claramente se deixou impressionar.
A fechar o palco Heineken, para os resistentes, St.Vincent foi igual a ela própria: teatral, arrojada, arrebatadora, brilhante.