
Novo inédito de Roberto Bolaño, falecido em 2003, abre pistas no seu puzzle genial
"A humanidade deve um fígado a Roberto Bolaño!", exclamou em 2003 na hora da morte do escritor chileno, que faleceu estupefactamente no 3º lugar da lista de espera por um fígado de um hospital barcelonês, o poeta solar e inventor dos "Antipoemas" Nicamor Parra.
Parra, um dos heróis científicos de Bolaño, chileno como ele, desapareceu em 2018, com 103 anos, e deu-nos uma das melhores definições de poesia, isto é, algo que fabrica vida: "E nas noites da lua imaginária, ele sonha com a mulher umbrática que lhe deu inventado o seu amor. Ele sente de novo a mesma dor, esse mesmo prazer fantástico e palpita novamente o coração do homem imaginário".
Como um aerólito, fragmento de um corpo do espaço exterior, Bolaño entrou na atmosfera em alta velocidade e caiu sobre a Terra durante 50 anos como um cometa negro. Morreu jovem, deixou um bonito cadáver literário e alimenta ainda em todo o mundo uma legião fanática de seguidores.
"Sepulcros de cowboys" é a última extração do seu baú de póstumos, inscrevendo-se numa cronologia anterior ao seu magnum opus dourado "Detetives Selvagens" (1998) e ao homérico "2666" (editado em 2004), o famoso manual de 1126 páginas em que mete a humanidade debaixo de uma lente macroscópica para achar a designação do Mal.
O novo livro divide-se em três noveletas: "Pátria" (1993-95); "Sepulcros de cowboys" (1995-98); e "Comédia de horror em França (2002-03). Com a ilusão de esboço, os textos são uma nova peça na compreensão do interminável puzzle da sua obra, que é um puzzle magnífico em perpétuo movimento.
No primeiro seguimos o jovem Rigoberto Belano (heterónimo evidente, espelhação) que recita um longo poema na noite de 11 de setembro de 1973 quando os golpistas militares mataram Allende. O segundo segue a família de Belano, que agora se chama Arturo como o poeta dos "Detetives", a sair do Chile para o México e depois a voltar à terra natal. No terceiro diz-nos que o movimento estético vanguardista criado por Breton no início do séc. XX está vivo, vocifera e caminha agora nos esgotos de Paris sob o nome Grupo Surrealista Clandestino.
Verdadeiro fora-da-lei das letras sul-americanas, filho evidente de Borges, Bolaño, o imortal, 21 livros editados, é dono de uma obra exoplanetária, uma obra que não é deste mundo - e que aparentemente nunca há de terminar. v
