Nicolas Descharnes estará esta quarta-feira no Porto para falar sobre arte a convite da Polícia Judiciária.
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Os bigodes espetados para o céu, o olhar pícaro, o cabelo impecavelmente penteado - esta é a imagem com que convivem todos os que não foram contemporâneos de Salvador Dalí, e por trás desta criação está o fotógrafo francês Robert Descharnes.
Os dois conheceram-se a bordo do paquete transatlântico América, fazendo a ligação entre a Europa e os Estados Unidos, em 1950. Robert Descharnes trabalhava à época com o pintor francês Georges Mathieu, amigo pessoal de Salvador Dalí e de Gala. Algures no meio do Atlântico, a história de uma família mudaria de curso.
"Dalí ficou encantado com o meu pai e não o largou até trabalhar com ele", conta ao JN Nicolas Descharnes, filho daquele que acabaria por se tornar o biógrafo e maior especialista mundial na obra de Salvador Dalí.
Segunda geração
Quando Nicolas Descharnes era criança, conviveu várias vezes com Gala e Dalí, a quem chama "Leonardo da Vinci do século XX". No verão, já na adolescência, ele e o irmão passavam os três meses de verão em Cadaqués, a olhar para o mar Mediterrâneo, enquanto o pai trabalhava com Dalí. Robert publicou uma dúzia de obras dos seus arquivos fotográficos e cinematográficos, assim como manuscritos, muitas vezes acompanhados pelas suas histórias.
Nicolas formou-se em arquitetura, até que, nos anos 1980, no culminar da revelação de uma catadupa de obras falsas de Dalí que Robert Descharnes foi convidado a combater, Nicolas junta-se ao pai na missão de desmascarar os falsificadores do artista.
Um em cada quatro
O que parecia um episódio isolado tornou-se uma carreira e um negócio de família. Atualmente, Nicolas Descharnes viaja pelo mundo para validar obras de Dalí. São cerca de 60 por ano, onde apenas uma em cada quatro são verdadeiras, junto de polícias, leiloeiras e particulares.
E é nesse âmbito que amanhã estará na Alfândega do Porto, na exposição "Arte do falso", que assinala os 75 anos da Polícia Judiciária, para dar uma palestra sobre o seu trabalho. Tudo porque é o detentor do maior arquivo de Dalí: são mais de 60 mil fotografias e vídeos do trabalho do artista durante 40 anos.
O primeiro processo, na década de 1980, foi dos mais complicados e envolveu o FBI, a polícia francesa e o US Postal Service. Os clientes de uma galeria do Havai haviam recebido uma litografia que não estava em condições e pedem que lhes seja enviada outra. Mas quando esta chega, tem exatamente o mesmo número de série da primeira. A família Descharnes é chamada e confirma que todas as assinaturas das litografias eram falsas. Em média, um processo demora dez anos na justiça até ser resolvido - foi o caso deste. Nicolas Descharnes diz que dez anos é também o tempo que um falsificador demora a introduzir falsos no mercado.
Nicolas diz que o essencial "é a memória" que se conquista ao longo de décadas. Um dos casos que solucionou encontrou resposta no arquivo, ao ver um vídeo de Dalí a assinar uma obra que nada tinha a ver com a falsa. Nem sempre os clientes acreditam na sua palavra, por isso o arquivo foi-se tornando cada vez mais profissional, recorrendo agora a testes forenses para dar provas cabais aos compradores enganados. As provas podem encontrar-se no tipo de papel ou pigmentos não compatíveis com a época das obras, ou em assinaturas feitas da direita para a esquerda.
O seu raio de ação pode chegar também aos filhos falsos de Dalí - nesta página veem-se as sondas nasogástricas do artista, que permitiram negar mais uma paternidade. Destas amostras foi recolhido o ADN pelo professor Michael Rieders da NMS Labs dos Estados Unidos, em janeiro de 2007. Os casos mais conhecidos são os da espanhola Pilar Abel e do italiano José Van Roy "Dalí". Ambos falsos.
COLÓQUIO
Especialistas reunidos no Porto
O colóquio "A arte do falso" reúne amanhã, às 17.30 horas, vários peritos na Alfândega do Porto. Nicolas Descharnes é o primeiro, mas também estará presente Carlos Evaristo, especialista na identificação de falsas relíquias e título nobiliárquicos, e Pedro Silva, coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária-Diretoria do Norte. A moderação será feita por José Emídio, presidente da Cooperativa Árvore.

