O homem que quer viver para sempre (e que vende uma garrafa de azeite a 33 euros)
Novo documentário da Netflix retrata os cuidados extremos de um milionário da tecnologia obcecado pela longevidade.
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Até onde pode ir alguém com o objetivo de ser jovem o máximo de tempo possível? Bryan Johnson vai longe. Demasiado longe, dirá o ser humano comum. Milionário norte-americano da indústria tecnológica, é o protagonista do documentário "Imortal: O homem que quer viver para sempre" (lançado em janeiro na Netflix), tão surpreendente quanto bizarro, que explora a sua obsessão com a juventude numa busca vã e irreal pela imortalidade. Bryan tem 47 anos, mas quer voltar biologicamente a ter 18 e para isso leva a missão de tentar "neutralizar" o seu processo de envelhecimento. "Cem anos não são suficientes. Eu quero viver melhor e o máximo de tempo possível", diz a dado momento.
Todos os dias, mergulha numa rotina hiperdisciplinada de cuidados corporais (de dentro para fora) que visa, em teoria, manter a condição física vital de alguém mais jovem. Não estamos a falar de adotar uma alimentação equilibrada, fazer exercício físico, dormir bem e passar creme para travar as rugas; estamos a falar de criar uma clínica em casa, ter um cromograma de sono, fazer análises constantes aos biomarcadores (parâmetros biológicos que ajudam a prevenir e diagnosticar doenças). E mais: além de uma dieta vegan restrita, que não permite mais do que duas mil calorias diárias e exclui totalmente álcool e açúcares, o empresário toma 54 comprimidos por dia e faz terapia com luz infravermelha. E mais outra vez: faz trocas de plasma com o filho, faz análises para medir a qualidade do esperma, submete-se a terapias genéticas experimentais e investe 10 milhões de dólares por ano (cerca de 9,5 milhões de euros) para fazer todos os tratamentos que quer, publicando os resultados dos exames online, a bem da "transparência".
"Não é ciência, é atenção"
O extremo a que chega é quase robótico: Bryan vive de acordo com um algoritmo projetado para dar ao seu corpo o que as análises clínicas e tecnológicas dizem que precisa, independentemente da sua vontade e das reações de alguns críticos da comunidade científica, que o acusam de promover um modo de vida mais próximo de um culto perigoso do que de um plano de bem-estar e de saúde. "Não é ciência, é apenas atenção", assevera Vadim Gladyshev, professor de medicina em Harvard e ouvido no documentário. E é também marketing: o "biohacker" (o termo refere-se a alguém que combina inovações biotecnológicas) vende na Amazon um pacote de vitaminas, suplementos e produtos alimentares, como um azeite anti-envelhecimento cuja garrafa de 750 ml custa 33 euros. Embora os produtos promovam benefícios como foco e alívio do stresse, vale a pena notar que Johnson não é médico nem está creditado pelas autoridades de saúde para dar conselhos de saúde.
O documentário de 90 minutos, realizado pelo norte-americano Chris Smith, falha em humanizar um homem que aspira fintar a mais natural característica da existência humana, talvez por não ser fácil humanizá-lo. Com relacionamentos complicados com a família e os amores, Bryan remeteu tudo para trás da prioridade que parece orientar-lhe a vida. O que faz pensar que não tenta viver o máximo possível, tenta, sim, viver durante o máximo de tempo possível. São duas coisas diferentes.