Finalista do Prémio Leya com "Paraíso", a escritora açoriana Paula de Sousa Lima defende que é a arte, e não exatamente a tecnologia, que nos pode afastar da barbárie. "Somos uns bárbaros, às vezes cobertos de Gucci e de Louis Vuitton", critica.
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Entre mais de 400 candidatos que se submeteram a um dos mais valiosos prémios literários de língua portuguesa, "Paraíso" foi o que chamou mais a atenção do júri, embora não ao ponto de ver ser-lhe atribuído o prémio. Ainda assim, Paula de Sousa Lima, professora do ensino secundário, diz estar grata pelo reconhecimento. Um alento mais para a escrita ficcional, à qual diz estar cada vez mais ligada.
Apesar do título de "Paraíso", a história aqui narrada nada tem de paradisíaco. A crueldade é inata à condição humana?
Estou crente de que sim. Penso que o ser humano, ao contrário do defendido por Rousseau, é mau por natureza, talvez como uma espécie de reminiscência de um antigo instinto de sobrevivência, mas requintado pela inteligência.
Embora situada há mais de 100 anos, esta história seria perfeitamente plausível hoje?
Seria plausível, embora com outros contornos. O tema que subjaz à história é tabu há muitos séculos e creio que sempre o será, sendo a reação das pessoas extremamente cruel para com quem comete o "pecado hediondo" apresentado na obra. De que "pecado hediondo" se trata só mais ou menos a meio da segunda parte do romance se saberá. Fica o suspense.
Com o aprimoramento tecnológico, seria expectável que nos afastássemos mais da barbárie. É isso que tem acontecido, na sua opinião?
Não, não somos menos bárbaros do que há séculos e séculos. Somos mais requintados, talvez, mas igualmente cruéis. E basta ver o que se passa em países onde há guerra. Não é só, porém, na guerra que se vê o lado "negro" do ser humano, mas em tantas e tantas atitudes, como a falta de solidariedade, a inveja, o querer e fazer mal ao outro, enfim, somos uns bárbaros, às vezes cobertos de Gucci e de Louis Vuitton.
A arte pode ser um antídoto contra essa barbárie?
Pode e é. Pode (e deve, penso) funcionar como "grito" de alerta relativamente a situações sociais reprováveis. Por outro lado, pela própria natureza da criação estética, a arte pode, de uma forma ou de outra, elevar os espíritos. Acho eu. Ou espero que assim seja.
No livro, é uma multidão em fúria que decide castigar os pecadores. As massas são por natureza irracionais?
As massas são o expoente máximo da crueldade humana. Nada mais perigoso do que quando alguém diz "mata" em voz alta no meio da multidão, pois logo se lhe segue o "esfola". Nem sei se se trata propriamente de irracionalidade. É a ferocidade multiplicada, apoiada por um número elevado de pessoas, e isso que dá pujança à maldade humana.
Se tivesse que indicar a esperança neste romance, para onde apontaria?
Para o amor. Só ele redime. E para a misericórdia, que é, naturalmente, uma espécie de amor.
Porque é que fugir ao nosso destino é mesmo impossível, como é sugerido no livro?
Não sei se é mesmo impossível fugir ao nosso destino - é apenas uma crença minha - no(s) livro(s) e na vida. Há quem creia no livre arbítrio, mas eu creio que as decisões que tomamos já estão condicionadas pelo destino e vão levar-nos a cumpri-lo.
Em que se distingue este seu romance - não tanto na temática ou no estilo, mas mais na defesa de uma eventual tese - dos anteriores que escreveu?
Não tenho um romance que repita o anterior ou o posterior, se bem que o estilo denote, obviamente, marcas particulares, que são minhas e que fazem com que a minha escrita seja diferenciada de outras. As temáticas também variam, como seria expectável, se bem que haja "tópicos" que me sejam caros e, naturalmente, recorrentes. Neste romance, não defendo exatamente uma tese, apenas advogo algumas ideias, como a de não ser possível fugir ao destino, a de necessidade de misericórdia, para além da mais importante: serão lógicos e incontornáveis certos tabus?
Quão importante foi ter sido finalista da última edição do Prémio Leya?
Foi importante, dado ser sempre bom o reconhecimento. Também creio que me pode impulsionar, promovendo o meu nome e a minha escrita. Oxalá assim seja.
Ainda assim, houve um sabor agridoce, por ter estado tão perto da vitória?
Sim, senti que, de alguma forma, "morri na praia".
Como surge a ficção na sua vida?
Aprendi a ler e a escrever aos cinco anos e sempre tive "jeitinho" para a escrita e inclinação para tal. Não comecei, todavia, a escrever ficção muito cedo. Fiz escrita académica durante bastante tempo, tendo sido uma ótima escola. Depois, comecei com crónicas e tive elogios. Passei, então, para o conto, onde ensaiei a ficção. Correu bem, creio, embora até agora só tenha publicado contos em revistas. E o passo seguinte foi o romance. Já vou com seis, incluindo este.
Nenhum dos romances que escreveu até à data se fixa nos nossos dias. Por alguma razão em especial?
Penso que tenho nostalgia do passado, mesmo de eras que não vivi. Romance propriamente histórico só escrevi, até agora, um, publicado também pela Maria do Rosário Pedreira, na Casa das Letras ("Os últimos dias de Pôncio Pilatos"). Os outros, porém, também recuam em relação aos nossos dias. Talvez o gosto pela recriação do passado, talvez o gosto pelo passado, talvez a procura de tempos que me permitem alguma evasão.
Há uma literatura açoriana, em seu entender
Há, de facto, uma literatura feita nos Açores e/ou por autores açorianos. Outros, que fazem estudos e/ou crítica melhor responderiam à pergunta. Creio, porém, que há algumas marcas da literatura feita nos Açores, como o sentimento de clausura, a permanência do mar ou a religiosidade. No entanto, hoje os Açores estão abertos ao mundo, e tudo cabe na literatura feita nos Açores, não só o regionalismo - que, de resto, não me interessa particularmente.
Crê que os seus livros teriam muito mais divulgação se vivesse em Lisboa?
Sim, creio que sim. O meio é maior, as possibilidades de promoção e de obter contactos são mais latas e fáceis, enfim. O que se edita nos Açores dificilmente de lá sai. Eventos como as Correntes d"Escritas são importantes, assim como ser publicada pela LeYa, em particular pela Maria do Rosário Pedreira.