No seu novo livro, "Coisa que não edifica nem destrói", Ricardo Araújo Pereira lança um olhar sobre o caráter transversal do riso na sociedade.
Corpo do artigo
Seja ou não verdade que o riso “é um assunto demasiadamente sério para ser deixado aos cómicos”, como escreveu Georges Minois, a ideia de que o humor é um género à parte de todos os outros (e, como tal, confinado a um território restrito) continua a ser inexplicavelmente popular. O que nada teria de grave se o humor não fosse transversal à existência humana, contaminando todas as experiências, até mesmo as que julgávamos imunes aos seus efeitos (ou sobretudo essas).
Para esbater esse e outros mitos relacionados com o humor, Ricardo Araújo Pereira (RAP) lançou, já no segundo semestre deste ano, um podcast que agora foi adaptado a livro. A estrutura pouco difere da original, embora a leitura permita sempre outro grau de imersão no livro de “um chato monomaníaco cuja obsessão é o assunto que costumamos designar com as palavras humor, comédia, sátira, riso, etc.”
Fazendo jus a esse interesse extremo, aprofundado ao longo de 25 anos de prática humorística, RAP faz deste “Coisa que não edifica nem destrói” uma espécie de compêndio alargado sobre a ciência do riso. Mergulha na História para nos trazer tanto citações célebres como pensamentos de autores obscuros que ainda hoje nos interpelam, partindo sempre de um tema específico.
Essa ligação ao nosso tempo que continuamos a encontrar em fragmentos espirituosos produzidos, em alguns casos, há muitas centenas de anos, talvez seja mesmo a propriedade mais notável do livro, escrito com a verve habitual do autor. Mas se, por exemplo, a leitura de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (o romance de Machado de Assis do qual foi extraído o título deste projeto humorístico) ainda desperta no leitor contemporâneo o mesmo assombro, há diferenças trazidas pelo tempo. E não propriamente positivas.
Quando, em 1729, um panfleto anónimo posto a circular (que viria a ser atribuído a Jonathan Swift) defendeu a necessidade de os bebés serem colocados na cadeia alimentar, todos perceberam tratar-se de uma sátira, denunciando a pobreza avassaladora. Todavia, piadas do mesmo jaez, proferidas nos últimos anos, criaram ondas de contestação extremas. Para Araújo Pereira, a conclusão é óbvia: “o humor é uma espécie de antídoto para o fanatismo, é antidogmático” e, por isso mesmo, mais necessário do que nunca.
"Coisa que não edifica nem destrói"
Ricardo Araújo Pereira
Tinta da China