Realizador britânico Ridley Scott volta ao local, em Malta, onde rodou primeiro filme, em 2000. Produção portuguesa "Alma Viva" conquista três prémios no Mediterrane Film Festival.
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Sexta-feira, 30 de junho, pelas 10 horas da manhã. Um dos pequenos autocarros que transporta o grupo reduzido de jornalistas da imprensa internacional, entre a qual o "Jornal de Notícias", entra a uma certa velocidade pelos Malta Film Studios. Uma segurança vem a correr bater na janela do motorista. Irritada, manda-o voltar para trás e estacionar o veículo num parque situado antes da entrada.
O local encontra-se completamente securizado, porque apenas a alguns metros Ridley Scott filma “Gladiator 2”, com estreia marcada apenas para o próximo ano e Pedro Pascal, Denzel Washington e Connie Nielsen agora nos principais papéis. Pouco se sabe ainda sobre a história e apenas de longe, de um dos outros lados da ilha, já em La Valetta, será possível descortinar mais tarde a construção que serve como o Coliseu de Roma e outros locais onde o britânico agora filma.
Trata-se afinal de um regresso a Malta de Ridley Scott, que já aqui filmara uma boa parte do filme que em 2000 arrecadaria cinco dos 12 Oscars para os quais fora nomeado, entre os quais o de Melhor Filme do Ano. Aliás, o realizador britânico ficou de tal forma fã da ilha de Malta que aqui voltaria muito recentemente para filmar parte do seu “Napoleão”, com Joaquin Phoenix, uma das estreias da próxima quadra natalícia.
Na impossibilidade de nos aproximarmos mais da equipa de Joaquin Phoenix, tivemos a oportunidade de estarmos defronte para dois dos maiores tanques de filmagens do mundo, tendo como pano de fundo o horizonte sem fim do Mar Mediterrânico. Estamos afinal no quadro da primeira edição do Malta Mediterranean Film Festival e a descoberta de um dos maiores locais de filmagens neste momento em todo o mundo era uma paragem obrigatória.
O local foi construído em 1964, para as filmagens de “Gigantes do Mar”, com Russ Tamblyn e tornou-se fundamental para rodagem de sequências subaquáticas. Mas seria na sequência do sucesso internacional do “Tubarão”, de Spielberg, a meio da década seguinte, que estes tanques albergaram a rodagem de filmes como “Orca – A Fúria dos Mares”, “Barracuda – O Terror dos Mares”, “A Guerra dos Abismos”, título português à época de “Raise the Titanic”.ou o original “Choque de Titãs”.
Mais tarde, Renny Harlin passou por aqui para filmar “A Ilha das Cabeças Cortadas”, o mesmo acontecendo com Roman Polanski e o seu “Piratas”. Neste momento, a possibilidade de filmar toda a espécie de sequências marítimas tem atraído a estes estúdios séries de televisão como “Captain Phillips” ou “Das Boat”,
As razões são de ordem prática e económica. Os 23 milhões de litros de água retirados do mar que se encontra mesmo em frente demoram apenas sete horas a encher o espaço, mais ou menos com o tamanho de um campo de futebol e dois metros de profundidade. Terminadas as filmagens, são apenas seis as horas que demora a esvaziar o tanque, muito menos do que outras instalações semelhantes existentes em outros locais no mundo.
Mas nem seria necessária a construção de um estúdio de cinema para tornar Malta, no seu todo, como um autêntico estúdio a céu aberto. Malta tem os templos mais antigos que se conhecem, anteriores às pirâmides ou a Stonehenge. As primeiras comunidades que se instalaram na ilha tinham técnicas arquitetónicas muito avançadas, que resultaram na construção de templos como os de Hagar Qim e Mnajdra, que também tivemos oportunidade de visitar.
Seguiram-se fenícios, cartagineses, romanos, árabes, até à chegada dos Cavaleiros da Ordem de Malta, que reinaram a ilha durante 250 anos, período durante o qual três grão-mestres portugueses estiveram à frente dos destinos do território. Expulsos pelas tropas de Napoleão, a população local pediria ajuda ao Império Britânico, que tomou conta da ilha, uma vez mais estratégica durante a Segunda Guerra Mundial. Independente desde 1964, Malta pertence ainda à Commonwealth, o que explica a condução à esquerda. Algo que não se pode esquecer quando se anda de carro, de motorizada ou a pé nas labirínticas ruas de La Valletta e das outras localidades da pequena ilha de apenas 27 quilómetros de comprimento mas tanta história para contar.
É por isso que tantos outros filmes e séries de televisão foram por aqui rodados, algo que a ilha bem aproveita para fins turísticos, com vários painéis evocativos a surgirem nos pontos da cidade onde este ou aquele título foi rodado. De entre os locais que visitámos, destacam.se a Praça da República, em La Valletta, onde foi rodada uma cena capital de “Munique”, de Steven Spielberg, a Praça de São Jorge, vista em “Jurassic World”, a Igreja Dominicana, reconhecível em “Assassin’s Creed”, o Forte de St. Elmo, por onde passaram entre outros o recente “Um Crime no Expresso do Oriente” – ironia num território sem linha férrea -, a Praça dos Grão-Mestres, usada em “O Conde de Monte Cristo”.
Muita gente desconheceria que “Popeye”, o filme que Robert Altman rodou em 1980 com Robin Williams, foi filmado numa das muitas enseadas da ilha. Hoje, o local está transformado num parque de atrações, onde se pode tomar banho, apanhar sol, visitar as várias casas construídas para a rodagem, ou tirar fotografias com Popeye, uma espanhola Olivia Palito e um congolês Brutus. Dizem-nos que há dois portugueses a trabalhar nas instalações, mas não houve tempo para os encontrar.
Mais mediática é sem dúvida a fabulosa Medina, capital medieval da ilha, local por onde passou recentemente a equipa de “Game of Thrones”, mas também as de “Napoleão” ou “O Conde de Monte Cristo.
Três prémios para o português “Alma Viva”
Matéria a rever pela organização do festival é a sua componente fílmica. Os nove filmes a concurso, um por cada país da Europa mediterrânica e comunitária, incluindo o mais atlântico Portugal, tinham quase todos mais de um ano, ou mesmo mais, desde a sua estreia mundial. E os dois filmes exibidos com pompa de passadeira vermelha, como estreias mundiais ou do território, escolhidos por terem sido rodados nas profundezas dos mares de Malta, são produções diretas para o streaming, dada a sua pouca qualidade.
A cerimónia de encerramento do festival, ocorrida no imponente Fort Manoel, integrou filmes em várias categorias, escolhendo-se para cada uma delas não os nove filmes em competição, mas cinco nomeados, à moda dos Óscars. O mais premiado de todos foi o italiano “Nostalgia”, de Mario Martone, com quatro prémios.
O português “Alma Viva”, de Cristèle Alves Meira, estreado na Semana da Crítica de Cannes de 2022, venceu três prémios: melhor fotografia, para o português Rui Poças, melhor música e melhor atriz, para a jovem protagonista, filha da realizadora. E o prémio principal, a Abelha de Ouro, em honra de outro dos produtos típicos da ilha, o mel, coube ao espanhol “Alcarrás”, Urso de Ouro em Berlim 2022.