São historiadores, etnomusicólogos, sociólogos e designers atraídos por um objeto de estudo comum: a Orfeu, a editora discográfica fundada no Porto em 1956, cuja ação foi decisiva para o aparecimento e afirmação de muitos dos nomes fundamentais da música portuguesa do século XX.
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De José Afonso a Adriano Correia de Oliveira, de Fausto ao Duo Ouro Negro, são quase incontáveis os artistas e bandas que, entre 1956 e 1983, gravaram na etiqueta criada pelo empresário Arnaldo Trindade.
O valioso legado da Orfeu é precisamente o foco de um ambicioso programa multidisciplinar desenvolvido pelo Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança (Nova-FCSH) e pela Escola Superior de Arte e Design (ESAD), em Matosinhos.
Embora o Projeto Orfeu, apoiado pelo programa Portugal 2020, já esteja no terreno há mais de um ano e meio, a apresentação pública acontece hoje, em Matosinhos.
No conjunto de intervenções previstas não faltam muitos dos intervenientes diretos no processo, mas também dois professores universitários norte-americanos - Jocelyne Guibault (Berkeley) e Timothy Taylor (Los Angeles) -, que vão analisar a singularidade do projeto.
"Sabemos que a Orfeu revolucionou os modos de produção portugueses, mas, mesmo numa escala internacional, a editora foi pioneira, fosse através da edição de discos de poesia ditos pelos autores ou na relação próxima com os media", defende Leonor Losa, coordenadora do projeto.
Os avanços trazidos pela Orfeu estenderam-se a outras áreas. A começar pela tecnológica, com a introdução da microgravação, em substituição dos clássicos 78 rotações. Mas também no campo visual, com o convite a artistas como Júlio Resende para desenharem as capas, ou na relação com os artistas, através da atribuição de um salário fixo que lhes permitia concentrarem-se apenas na criação musical.
"Espírito Orfeu"
"Encantado" com o projeto académico sobre a sua editora, Arnaldo Trindade considera que mais importante ainda do que o património musical foi o chamado "espírito Orfeu", a crença de que "é preciso continuar a inovar, sempre".
Foi assim, recorda, que contornaram as dificuldades impostas pelo regime e promoveram concertos no Coliseu do Porto, com estrelas como Françoise Hardy, Marino Marini, Sylvie Vartan ou Mungo Jerry." A solução foi envolver as editoras estrangeiras para comparticipar nos custos e permitir bilhetes acessíveis", recorda o empresário.
Recuperação das gravações desaparecidas é um objetivo
O desaparecimento das gravações originais ("masters") dos artistas que faziam parte dos catálogos da Orfeu e Rádio Triunfo é uma das questões que mais preocupam a equipa de investigadores do projeto.
Ciente de que se trata de "um problema político urgente", Leonor Losa afirma a intenção de criar um movimento alargado. Para consciencializar a opinião pública e influenciar quem tem poder decisório na matéria, mas sobretudo "para salvar registos históricos, inventariar e reconstituir títulos que faltam".
O "buraco" criado, prossegue Leonor Losa, impossibilita a comercialização destes discos, seja em plataformas digitais ou em objetos físicos".
Até ao fim de 2021, o Projeto Orfeu quer deixar outras marcas, como a criação de um site com conteúdos noticiosos regulares, mas também a edição de um livro em inglês para o mercado internacional. O grande propósito, todavia, é outro: o regresso da Orfeu. A coordenadora diz que essa é uma possibilidade. "Plataformas como a Orfeu são sempre necessárias numa sociedade", defende.