
Autor prossegue Trilogia das Cores fundindo jazz e clássica.
O pianista, compositor e arranjador Filipe Raposo tem marca persistente na música portuguesa há duas décadas, em sete registos em nome próprio e alianças com Sérgio Godinho, Janita Salomé, Amélia Muge, Ana Lains, Fausto Bordalo Dias. Ultimamente, esteve envolvido na conceção dos concertos e disco "70 voltas ao sol" de Jorge Palma, e é o autor da música original do documentário "Um corpo que dança - Ballet Gulbenkian 1965-2005", de Marco Martins.
O projeto holístico Trilogia das Cores será a sua empreitada mais ambiciosa até hoje. Mergulhando separadamente no simbolismo de três cores - vermelho, preto e branco -, sua ressonância histórica e no mundo natural e implicações em várias linguagens artísticas, começou em 2019 com "Øcre" e prossegue agora com "Øbsidiana", havendo de chegar ao branco (em declarações ao Jazz.pt, Raposo aponta como título provável "Variações do branco").
"Øbsidiana" materializa-se em disco mas também em livro, em cujas páginas se explanam as múltiplas referências literárias e da cultura tradicional que atravessam as 12 composições do álbum para piano solo. A que se juntam fotografias também da autoria de Filipe Raposo, imagens inundadas de um negro rochoso e que lançam a ponte mais direta rumo ao título deste trabalho: a obsidiana é o resultado do arrefecimento rápido da lava, do qual resulta uma rocha vítrea, escura, repleta de cristais.
Mas é possível viver "Øbsidiana" dispensando a malha referencial. A ampla maioria das faixas habita um território em que o jazz e a clássica se sobrepõem, estabelecendo um jogo de dinâmicas absorvente, um diálogo em que as duas vozes são amiúde indestrinçáveis. O álbum é sóbrio e austero (ouça-se "Et in arcadia ego"), também lírico e romântico ("La mort des amants"), ocasionalmente revolto e arrebatador - como em partes de "No princípio era a noite" e "Omnes umbria hominis lineis circundacta". A viagem entre, por exemplo, Keith Jarrett (aludido nos surtos de impetuosidade de "A solidão das árvores") e Johann Sebastian Bach (é dele a peça final, a elegíaca "Nun komm der heiden heiland") pode durar segundos.
Øbsidiana
Filipe Raposo
Tinta-da-China
