Visões Úteis tem peça obrigatória: "Cidades de bronze: consertos para estátuas".
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Há uma característica intrínseca às produções da companhia Visões Úteis: sempre que o espectador sai, sabe sempre mais qualquer coisa - seja qual for a temática - do que sabia quando entrou. Carlos Costa, agora em dupla com Jorge Palinhos, mergulha na temática da estatuária do Porto, essa espécie de "ímanes de frigorífico gigantes", para contar as histórias que este "mobiliário urbano" encerra na peça "Cidades de bronze: consertos para estátuas", em cena até domingo, na Praça da República, no Porto.
Num andaime a envolver a estátua da República, com uma miniescavação arqueológica e a banda Ohmalone, Kore e Galateia (Sofia Santos Silva e Matilde Cancelliere), apresentam a "I Gala de Estátuas do Porto" - e estão devidamente vigiadas pela escultora Marta Lima, representante da Agência do Futuro, onde acicatam o público a eleger quais as estátuas que merecem lugar nos espaços públicos da cidade.
A escolha não é fácil, pondo em causa três poderes: o militar, o religioso e o do Estado. Mas há questionamentos que marcam a inflexão no espetáculo que até aí decorre ritmado, com canções bonitas, cores e brilhos quanto baste. Enquanto uma das apresentadoras insiste em manter a compostura, a outra, com as suas perguntas, deixa a descoberto várias fragilidades.
Por exemplo, a estátua de "O rapto de Ganimedes", um menino de 12 anos por quem Zeus se apaixonou, está colocada num parque infantil. Será o local mais apropriado?
Ou a única estátua de D. Afonso Henriques a cavalo, da autoria de Gustavo Bastos, onde a escala do poder entre o cavalo e o rei causa desaguisado entre as coapresentadoras. Além do próprio historial do fundador da nação que, já no passado, numa representação de Soares dos Reis, teve de ver o saiote esticado, para não "parecer uma mulher", além dos vários símbolos fálicos que o perseguem.
Já a história da estátua da República foi feita a partir de uma estudante sem dinheiro para pagar as propinas.
Será que nos representam?, pergunta a peça. O espetáculo é obrigatório.