Oscars: O triunfo das pessoas normais (que por acaso são bastante estrambóticas)

Ke Huy Quan (ao centro) venceu o Oscar de melhor ator secundário
Caroline Breham/EPA
"Tudo em todo lado ao mesmo tempo" limpa os Oscars com sete vitórias e é o filme do ano. Michelle Yeoh é a primeira asiática a ganhar um Oscar. Brendan Fraser sai das profundezas da carreira e ganha melhor ator com "A baleia". "A Oeste nada de novo", o filme de guerra anti-guerra, ganha 4 Oscars. Há cinco nomeados para melhor filme que sairam a zero, incluindo o filme de Spielberg. "Ice merchants", a curta portuguesa de animação que nos pôs a sonhar, perdeu. Os Oscars mudaram - e mudaram muito.
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Ke Huy Quan chora, há uivos na sala, ele chora imediatamente, vai a caminhar para o palco e já vai a chorar. É um vietnamita e acabou de ganhar o Oscar de melhor ator secundário na fantasia maníaca "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo", dos dois Daniels, Daniel Kwan e Daniel Scheinert, que vão ganhar o Oscar de melhor filme e de melhor realização. É um momento histórico. Mas a História ainda está a começar.
O filme é comédia, é ação, é ficção cientifica, é drama, é um absurdo, é uma coisa "art house" de humor selvagem. É todo muito estapafúrdio, com rompantes entradas e saídas simultâneas em universos alternativos em que um casal de donos de uma lavandaria tem que salvar o mundo. Há muitos multiversos, há muitos feixes e efeitos especiais, há lutas com dildos, há de repente kung fu, há personagens que são pedras com olhos e falam, há personagens com dedos das mãos que são enormes salsichas flácidas a bambolear, é uma confusão, mas é também um drama sobre a reconciliação de uma família de pessoas normais e é ainda uma metáfora sobre a vida dos imigrantes asiáticos nos EUA que falam dos filmes de Wong Kar-Wai e da falta de atores orientais no cinema americano.
"Mãe, ganhei um Oscar!", diz Ke Huy Quan todo a fungar
O comovido Ke Huy Quan, que tem 51 anos, já está agora em cima do palco e continua a chorar. Quem é Quan? Há anos que não o víamos: é o miúdo asiático que apareceu aos 12 anos nos "Goonies" e depois foi o Shorty no "Indiana Jones e o templo perdido", o miúdo que estava sempre a gritar "Indyyy!", que era o Harrison Ford. Ele foi um ator-criança-estrela e depois desapareceu dos filmes, desapontado pela falta de bons papéis para atores asiáticos. Fez a sua vida na sombra do cinema como duplo e reemergiu agora de Oscar na mão. Ficou tudo estupefacto, a começar por ele.
Além de chorar, funga muito, Quan. "A minha mãe tem 88 anos e está no Vietnam a ver! Mãe, ganhei um Oscar!", diz ele de olhos muito brancos, muito espantado, a esganar muito nervoso a estatueta nas mãos. A sala continua a uivar emocionada com o enorme "comeback" deste ator vietnamita.
"Os filmes existem para manter os sonhos vivos. Eu quase desisti do meu sonho. Não desistam do vosso. Isto que me está acontecer não acontece só nos filmes", diz ele, e a sala do Dolby Theatre, em Los Angeles, EUA, continua a explodir em palmas para ele e ele, evidentemente, continua cheio de alegria sem conseguir parar de chorar.
"Oh-my-god!" e Jamie Lee Curtis ganha um Oscar
Logo logo depois - a cerimónia ainda vai no início mas há de durar três horas e meia e sempre a correr, é sempre assim, quem a vê em Portugal pela madrugada dentro tem que ser fanático -, veio outro momento histórico: Jamie Lee Curtis ainda está sentada, vê-mo-la a dizer mudamente "oh-my-god!", pasmada a soletrar a expressão de boca muito aberta, "oh-meu-deus!". Ela acaba de ganhar o Oscar de melhor atriz secundária no mesmo filme do Quan.
Jamie Lee apareceu-nos em 1978 em "Halloween - O regresso do mal", "Os ricos e os pobres" (1983), "Um peixe chamado Wanda" (1988) e nunca esteve perto de um Oscar - ganhou um Globo num dos maiores filmes de ação de sempre, de 1994, "A verdade da mentira", de James Cameron, com Schwarzenegger -, fez mais dois "Halloween" e basicamente andou desaparecida dos radares do bom cinema.
"Eu sou centenas de pessoas, centenas, não sou sou eu, e nós todos ganhamos um Oscar", diz ela muito segura a segurar o seu impremeditado Oscar. Vai atirar para o ar muitos nomes, diz muito depressa que só pode falar 45 segundos, não chora imediatamente, segura-se a seco, continua a atirar nomes e nomes e a dizer "nós ganhamos todos um Oscar!" com cada vez mais pontuação. Mas quando chega a hora de agradecer aos pais, Jamie Lee Curtis, que é a filha dos lendários atores Janet Leigh e Tony Curtis, sim, aí sim desfaz-se em lágrimas, "nós acabamos de ganhar um Oscar!". Ela é a sádica inspetora das finanças de "Tudo em todo o lado...", tem 64 anos, expõe todas as suas rugas no filme, e derrotou a única atriz negra nomeada este ano, "Angela Bassett, de "Black Panther: Wakanda para sempre". Foi um Oscar inesperado, Jamie Lee foi aqui nomeada pela primeiríssima vez.
História: a primeira asiática ganha o Oscar de melhor atriz
O que mais se ouviu nestes dias precedentes dos Oscars foi que tudo podia acontecer. Pois o chavão foi mesmo uma chapada e esta é a nova realidade: ou os Oscar deixavam entrar diversidade e inclusão ou a indústria cintilar de Hollywood ia afogar-se no negrume de tanta e tão caucasiana brancura.
É agora que entra Michelle Yeoh, 60 anos, malaia, a atriz que chegou ao pico da História: em 95 anos de Oscars é só a terceira atriz asiática, depois de Yuh-Jung Youn, com "Minari" e Miyoshi Umeki, com "Sayonara", a ganhar um Oscar de interpretação - e é a primeira na categoria principal. Ao conquistar o Oscar de melhor atriz, Yeoh derrotou Cate Blanchett ("Tár"), Michelle Williams ("The Fabelmans"), Andrea Riseborough ("To Leslie") e Ana de Armas ("Blonde").
Quando chegou a sua vez de ir ao palco, já o perfume da vitória de "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo" inundava a sala extasiada. Michelle Yeoh, que é o motor da fantasia da família fraturada que se vê arrastada para uma aventura interdimensional, não vacilou: não chorou - é um inédito nas atrizes com Oscars? - e deixou-nos antes a ouvir a sua respiração, e os seus suspiros exclamavam uma lonjura tão perfurante que se ouvia dali até à Malásia.
"Para todos os meninos e meninas que se parecem comigo e que estão a ver-me esta noite, este é um farol de esperança e de possibilidades", disse a atriz no palco, muito serena, muito firme, os olhos a radiar. "Esta é a prova de que os sonhos se tornam realidade. E senhoras, não deixem nunca ninguém dizer-vos que vocês já passaram o vosso auge. Nunca desistam". E depois disse que as mães, todas as mães, é que são os verdadeiros super-heróis da vida real. "Isto é a História a acontecer!",clamou Michelle Yeoh de Oscar no ar.
O seu triunfo foi o triunfo das pessoas normais e das famílias normais - que por acaso são bastante estrambóticas, como sabe quem já viu a selvajaria cómica de "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo". Mas, como um novo tsunami vindo do Oriente, o filme dos dois Daniels foi coroado como o melhor do ano. E agora as suas réplicas festivas, por muito irreais que possam parecer, parecem estar só ainda a começar.
Pois, mas houve demasiados espíritos perdidos
E agora, já, as más notícias: como se escolheu celebrar a diversidade e privilegiar politicamente a correção da inclusão, há seis filmes nomeados para o melhor do ano que não ganharam nada. Nada. Zero. Coincidentemente, são todos caucasianos.
Cinco são muito bons, o outro, que é só sofrível, é o "Elvis" de Baz Luhrmann."Elvis", que estava nomeado para sete Oscars e não ganhou nenhum, é muito barroco, tem excesso de meios, perde-se em tanto dinheiro, tanto décor, tanta luz, e tem um Tom Hanks mau, mau demais, malíssimo no papel do agente do cantor, o grotesco coronel Tom Parker, todo inchado, cheio de próteses, naufraga em maquilhagem, e tem uma voz de cartoon que é de bradar, e ainda por cima é ele o narrado!
Não, "Elvis" é quase só Austin Butler, um ator luminoso que nos perfura até ao tutano do coração com tão delicada lascívia que parece uma encarnação do outro, o verdadeiro Presley, e é um crime que o mais fulgurante rei do rock que já vimos na ficção e que interpretou todas as canções - Austin Butler é um prodígio -, não tenha ganho o Oscar de melhor ator, que no final foi para Brendan Fraser, o gordo mórbido de "A baleia" para quem estava reservada a comoção de mais um "comeback".
Ora, os perdedores são: "Os espíritos de Inisherin", de Martin McDonagh, nomeado para nove Oscars, foi corrido com zero Oscars, "Os Fabelmans", de Steven Spielberg, nomeado para sete Oscars, zero Oscars, "Tár", de Todd Field, nomeado para cinco Oscars, zero, zero Oscars - nem a monumental Cate Blanchett, a predadora maestrina, a monstruosa supernova não ganhou como devia evidentemente ter ganho -, e "Triângulo da tristeza", do sueco Ruben Östlund, nomeado para três Oscar, também saiu com zerinho de mãos a abanar.
E os blockbusters? Bom, ganharam poucochinho
"Top Gun: Maverick", de Joseph Kosinski, o campeão de bilheteiras só abaixo de "Avatar", o filme que este ano, disse-o Steven Spielberg, e disse-o literal, "salvou o couro do cinema" que é feito para ser visto em salas gigantes de ecrãs gigantes cheios de povo a ulular, que é como deve ser, estava nomeado para seis Oscars e ganhou apenas um, o de melhor som. "Obrigado a todos os que viram e ouviram este filme... numa sala de cinema!", disse um dos seus cinco galardoados sonoplastas a sorrir.
E "Avatar: o caminho da água", segundo filme da colossal aventura de ficção científica que terá cinco filmes até 2028, e tinha quatro nomeações, incluindo filme foi ano, ganhou o quê? Ganhou um, obviamente o Oscar de melhores efeitos visuais. E foi só. Nesta altura, o épico de James Cameron - Cameron não estava nomeado para melhor realizador e não foi à cerimónia, amuou - existe principalmente como a ala avançada de investigação e desenvolvimento de toda a indústria cinematográfica atual.
"A Oeste nada de novo" é o filme de guerra que precisamos
"A Oeste nada de novo", o esplendente filme alemão de guerra anti-guerra, era o filme mais sério ido concurso. Ganhou quatro Oscars: melhor fotografia, melhor design de produção, melhor banda sonora (Volker Bertelmann, o compositor, encapsulou um assombro: em apenas três graves tons drónicos transferiu para música o terror das trevas daquilo tudo) e ainda ganhou no Oscar de melhor filme estrangeiro. O realizador Edward Berger, que tem 53 anos e é alemão, fez um discurso contido sobre a amizade e o trabalho de equipa e não referiu a inimaginavelmente terrível guerra, nem essa, a Primeira, nem a de hoje, a da Ucrânia que continua a ser asfixiada pela pata enlameada do urso russo.
Berger fez um filme formidável e feroz sobre o pavor visceral e aterrorizante de estar nas trincheiras a viver uma guerra, a I Guerra Mundial - o filme é baseado no livro e na experiência pessoal do soldado alemão Erich Maria Remarque, escrito em 1929, e é também um remake do filme de 1930, de Lewis Milestone, que nesse ano ganhou o Oscar de melhor filme e melhor realizador - e deixa-nos encharcados na barricada global de todas as guerras. Foi, politicamente e artisticamente, o vencedor mais importante da noite.
É um filme alemão que nos dá uma perspectiva desconhecida para nós, nós os que fomos, na maioria ocidental, cinematograficamente educados pelas epopeias imperialistas americanas de ação e vimos demasiadamente o lado dos Aliados. É o filme mais urgente de se ver dos 10 que estavam em competição - porque nos mostra o lado dos infelizes e inculpados jovens soldados alemães que foram aliciados pela extrema-direita e enganados para embarcar sem temor na aventura da guerra. "A Oeste nada de novo" é melhor do que "1917", de Sam Mendes, sobre a mesma I Guerra, e que era bem bom, é melhor do que "Dunkirk", de Christopher Nolan, sobre a II Guerra, que não era nada mau.
"O nosso país vai ser livre", diz Yulia Navalnaya
Mas a guerra, que não foi mencionada na cerimónia, continua aqui: "Navalny", do canadiano Daniel Roher, que está na Netflix, ganhou o melhor documentário do ano. É o vencedor mais oportuno e provavelmente mais urgente da noite. É sobre a incrível e perplexa jornada do advogado e ativista oposicionista russo de 46 anos Alexei Navalny em defesa da democracia no país de Putin - e na Ucrânia, mas a palavra Ucrânia não entrou . Navalny, que já foi envenenado e preso por Vladimir Putin, continua preso na Rússia. O realizador leva uma frase dele. "Quero dizê-la bem", diz Daniel Roher, que sabe o que vai dizer, "a guerra de Putin contra a Ucrânia é injusta". A mulher de Navalny, Yulia Navalnaya, a primeira dama da oposição russa, estava lá em LA. Ela também é russa. "Eu sonho que tu vais ser livre, meu querido", diz ela a falar de Navalny. "Eu sonho que o nosso país vai ser livre", diz ela a pensar também na Ucrânia. E as palmas ali caem com uma honra tão comovente quanto justa e veemente.
E à 1 hora e 54 minutos o sonho português acabou
E à 1.54 horas desta madrugada de segunda-feira o sonho do primeiro filme português de sempre a conseguir ser nomeado para um Oscar acabou em segundos. "Ice merchants", a universal, abissal e tão tocante curta metragem de animação de João Gonzalez, um portuense de 27 anos que fez um belo filme sobre a perda e a ausência, com um pai e um filho que são os vertiginosos mercadores de gelo no nosso mundo em perigosa descongelação, perdeu o Oscar. Ganhou "The boy, the mole, the fox and the horse", de Peter Baynton e Charlie Mackesy, uma história naife de aguarelas animadas sobre a amizade entre um menino, uma toupeira, uma raposa e um cavalo que viajam juntos na busca do menino perdido pelo seu lar. O filme português teve dois animadores, este filme da poderosa Apple TV com o poderoso JJ Abrahms por trás, teve mais de 100 animadores.
O Oscar da longa metragem de animação, talvez o prémio mais presumível de todos, ficou com "Pinóquio", de Guillermo del Toro, o cineasta mexicano com quem João Gonzalez fez uma sorridente selfie, e que mostrou logo no seu Instragem no primeiro dia em que chegou a LA. "Pinóquio" é um produto de stop-motion, já está na Netflix e é o terceiro Oscar de Del Toro; os anteriores são de "A forma da água", o romance de monstros e ficção cientifica crepuscular, em imagem real, que em 2018 lhe deu o Oscar de melhor filme e realizador.
A voz das mulheres que enfrentam o machismo
O Oscar de argumento adaptado foi para Sarah Polley, atriz de 44 anos, aqui realizadora e argumentista de "A voz das mulheres". É o filme que põe em confronto a realidade e a fé de um grupo de mulheres numa comunidade menonita em 2010, em que elas, que estão sob assalto da masculinidade tóxica e da violação, debatem durante dois dias se ficam e lutam contra o patriarcado ou se se juntam todas e se vão embora dali.
O filme estava nomeado para dois Oscars, incluindo, e aqui talvez exageradamente, o melhor filme do ano, e este foi o seu prémio de consolação.
A segunda vida de Bredan Fraser e as suas metáforas náuticas
E imediatamente antes da farra triunfal de "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo" deu-se o segundo "comeback" da noite e toda a gente tornou a chorar: "A baleia", drama de Darren Aronofsky que já tinha ganho o Oscar da melhor caracterização, chamou e coroou o seu filho perdido e deu o Oscar de melhor ator a Brendan Fraser, agora com 54 anos.
O bonitão que apareceu nos anos 90 como "Selvagem da Califórnia", como "Rapaz da pedra lascada", como "Cabeça oca", como "George o rei da selva", como "Múmia" e fez múmias atrás de múmias e depois se eclipsou em séries e telefilmes e buracos de bilheteira, emergiu das águas profundas da sua carreira em derisão, e é agora um peso pesado com um Oscar. Ele é o comovente Charlie, o gordo mórbido muito gordo sitiado em sua casa que tenta ganhar o amor da filha adolescente (Sadie Sink, excelente, é a Max do "Stranger things") e que seguimos nos seus agoniantes últimos dias antes de morrer mastodôntico com 270 quilos.
Entrou em palco muito sério, Brendan Fraser, muito branco, cheio de medo, e disse muito alto, o som da sua voz desajustado: "Então é isto que é o multiverso!". Depois sossegou, atarraxou o Oscar nas mãos e engatou um discurso cheio de metáforas náuticas. "Sou muito grato a Darren Aronofsky por me lançar uma tábua de salvação criativa e me transportar a bordo no bom navio que é "A baleia"", disse o ator já muito corado, o sangue já a bombar por todo o lado, lágrimas gordas a talhar-lhe a cara grande. "Isto foi escrito por Samuel D. Hunter, que é nosso farol. Cavalheiro, tu revelaste o teu coração do tamanho de uma baleia para que pudéssemos ver a tua alma como ninguém mais poderia fazer". E continuou, um bocadinho atarantado:"Comecei nesta indústria há 30 anos, tinha uma facilidade que na altura não valorizei, até que tudo parou. Só tenho a agradecer. É como se eu estivesse numa expedição de mergulho e o ar na linha para a superfície estivesse a ser vigiado só por algumas pessoas na minha vida que são como meus filhos. Obrigado por este reconhecimento", e Brendan Fraser abalou do palco, num novo andar pesado e grave, a lamber lágrimas das mãos, para deixar logo a seguir entrar a balbúrdia da farra festejada de "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo".
E o melhor momento da noite foi para...
O melhor momento da noite foi para "Naatu naatu", a canção indiana de "RRR", do realizador S.S. Rajamouli, que é o filme de ação supimpa do ano. A canção é frenética como foguetes, é um tumulto de pop multicolor, é impagável e imparável, é um "banger" completo e a maior salva de palmas da noite até à primeira hora da cerimónia foi para "Naatu naatu", a melhor canção original dos Oscars.
M.M.Keeravaani. o compositor indiano de 61 anos, um senhor que parece um desenho animado, olhos pequeninos e vivos, cara tão gentil, cantou o seu discurso de agradecimento a adotar uma letra de uma canção dos Carpenters. "Eu cresci a ouvir The Carpenters na Índia", diz ele todo tímido, a abanar a redonda cabeça para os lados sem parar, sem querer acreditar no que se estava a passar. Não é para menos: o senhor M.M.Keeravaani derrotou Rihanna, derrotou Dianne Warren, derrotou David Byrne e Mitski, derrotou Lady Gaga! Quem o viu não o esquece: ele falava e cantava e bamboleava a cabeça naquela maneira muito cómica e muito peculiar como só os indianos bamboleiam, em que o torso está firme e estático mas a cabeça desata a lateralizar e rebola como se estivesse numa indomável espiral em loop sem conseguir travar. Foi o melhor momento da noite, foi lindo, foi surreal, e a partir daqui, agora, bom, agora tudo pode mesmo acontecer como os chavões da vida real.
